Fosfoetanolamina: Esperança contra o câncer leva pacientes à Justiça

Fosfoetanolamina: Esperança contra o câncer leva pacientes à Justiça

Eles buscam liminares para receber o remédio, que teria resultados positivos contra a doença, mas que não foi liberado pela Anvisa

Gerando discussões em todo o Brasil após a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que liberou a pacientes com câncer a entrega da substância Fosfoetanolamina sintética, medicamento que seria supostamente a cura do câncer, abriu-se o precedente para que cada vez mais pessoas buscassem o questionado beneficio da medicação.

Desenvolvido na Universidade de São Paulo, em São Carlos, pelo professor de química aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, que estudou a fosfoetanalomina - um composto que existe nas células humanas, o químico encontrou em seus estudos que a cápsula apresentada  era capaz de dar resultados positivos em algum tipo de câncer de pele, porém a substancia foi testada apenas em camundongos.

Fosfoetanolamina 

Para entender melhor a substância, o Portal Revide procurou o oncologista Fabio Zola. “É um composto químico presente na membrana das células de animais e que faz parte de uma serie de etapas do metabolismo celular. Foi descoberta em 1936 em tumores malignos de bois e foi reproduzida em laboratório em 1970,” relata.

Ele afirma que a substância foi sintetizada pelo departamento de química analítica da USP de São Carlos e pesquisada pelos seus possíveis efeitos anti-inflamatórios e apoptóticos (mecanismo que leva a célula à morte). Análises em modelos animais com tumores tipo melanoma e em leucemia aventaram a possibilidade do uso da etalonamina em tumores. “Os estudos param nesta fase e não prosseguiram em ensaios clínicos, onde a droga é avaliada inicialmente em relação à toxicidade e dose adequada, e em seguida em relação à eficácia,” ressalta.

Disputa Judicial

A droga era fornecida gratuitamente pelos funcionários da USP no campus de São Carlos, mas teve a suspensão interrompida por uma portaria do Instituto de Química, restringindo a distribuição, pois a fosfoetanolamina sintética não possui a permissão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Tribunal de Justiça de São Paulo, que de início havia suspendido a medicação, precisou voltar atrás após uma liminar que veio do Supremo Tribunal Federal (STF), pois pacientes recorreram ao judiciário.

Segundo a determinação do TJ-SP, a substância foi liberada a despeito da incerteza sobre sua eficácia, por uma questão de respeito a liberdades individuais, na busca de melhores condições de saúde. "Do ponto de vista jurídico há uma real contraposição de princípios fundamentais", disse o presidente do tribunal, desembargador José Renato Nalini.

O desembargador afirma ainda que, de um lado, está a necessidade de resguardo da legalidade e da segurança dos procedimentos que tornam possível a comercialização no Brasil de medicamentos seguros. Por outro, há necessidade de proteção do direito à saúde. “Por uma lógica de ponderação de princípios em que se sabe que nenhum valor prepondera de forma absoluta sobre os demais, tem-se que é a verificação do caso concreto a pedra de toque para que um princípio se imponha. Conquanto legalidade e saúde sejam ambos os princípios igualmente fundamentais, na atual circunstância, o maior risco de perecimento é mesmo o da garantia à saúde,” destaca.

A Universidade esclarece que não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. E não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula.

Associação Paulista de Medicina

Por meio de um comunicado, a Associação Paulista de Medicina (APM) explica que não há cura do câncer com a substância fosfoetanolamina, pois não é considerado remédio, sendo que nunca foi testado em ensaios clínicos, e não há qualquer registro de ação benéfica.

Ainda de acordo com a APM, cabe ao médico prescrever somente medicamentos aprovados pelas autoridades sanitárias de acordo com embasamento científico que avalia tanto o benefício como um provável malefício.

Nesse sentido, a Associação Paulista de Medicina solicita aos seus associados que esclareçam seus pacientes, amigos e conhecidos, em todos os ramos de atividade, profissional e social, que o uso dessa substância trará muito mais malefícios do que benefícios, como alegado pelos querelantes e seus advogados.

Partilhando do mesmo pensamento do comunicado, o oncologista diz que sendo uma doença complexa e heterogênea, o câncer engloba mais de 100 tipos de tumores que se dividem em subtipos. Para cada fase da doença há uma interação diferente com o organismo e necessidades diferentes de tratamento. “Não há estudos que demonstrem efeitos da etanolamina no câncer humano, por isso não há como dizer se há beneficio da medicação em algum tipo de câncer. Em minha opinião não acredito que se encontre uma substância que trate todos os cânceres indiferentes do tipo e do estágio,” afirma Zola.

Câncer

Como qualquer pessoa com câncer busca encontrar a cura da doença, a fosfoetanolamina fez surgir esperanças aos pacientes.

Desde 2009, sogra do advogado Fábio Augusto Turazza foi diagnosticada com câncer de mama e vem se tratando com rádio e quimioterapia. Foi no meio das pesquisas, durante o tratamento, que a noiva de Turazza teve acesso ao depoimento de um paciente que fazia uso da fosfoetanolamina sintética. Em 2014, a USP editou a Portaria 1389/2014, impedindo a produção e distribuição. Foi então que tiveram início as batalhas judiciais e, por meio delas, algumas pessoas passaram a ter acesso ao medicamento.

"Pelo fato de ser advogado, juntamente com os demais advogados do escritório em que trabalho, ingressamos com o pedido na Justiça e, em menos de 48 horas já estávamos de posse da medida liminar. Juntamente com minha noiva, fomos até a USP de São Carlos realizar o protocolo da liminar que determinava o fornecimento do medicamento no prazo de 15 dias. Solicitamos que o medicamente fosse enviado via sedex a cobrar, diretamente na residência dos nossos clientes", conta.

Houve, num determinado momento, a interrupção do fornecimento do medicamento, uma vez que a USP conseguiu, por meio de uma medida cautelar, interromper todas as liminares que tinham sido deferidas. A matéria foi levada ao STF e, através de decisão monocrática, foi cassada a liminiar do Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo que, dias depois reconsiderou sua decisão.

"Até o momento, esta é a situação, sabendo-se que a USP já ingressou no STF com pedido de reconsideração da decisão, buscando o não fornecimento do medicamento, embasando seu pedido no fato de que não tem condições de fornecer o medicamento, por não ser uma indústria, mas sim um laboratório de pesquisa", conta Turazza.

Segundo o advogado, como profissional da área jurídica, sua função é apenas de ingressar com o pedido judicial, a pedido do cliente, para conseguir referida substância, mas não garantir a eficácia da fosfoetanolamina. "Hoje de manhã, atendemos em nosso escritório uma cliente que nos procurou para ingressar com a medida judicial. Esclarecemos que na qualidade de advogados, nossa função seria tão somente promover o acesso do paciente ao medicamento, como atividade meio, sem qualquer relação com a eficácia ou não do tratamento", diz. 

Zola comenta que qualquer possibilidade gera uma grande esperança para o enfermo e torna-se a ‘tabua de salvação’ para o câncer. “Os oncologistas não são contra a substância, mas para poder usar algo, mesmo que de forma experimental é necessário que se tenha a segurança que não esta administrando algo que pode prejudicar o paciente,” conclui.

Anvisa

Para um medicamento ser comercializado e disponibilizado para uso do Brasil, é preciso que a Anvisa avalie e registre a documentação administrativa e técnico-científica do remédio. Porém, de acordo com a agência, é preciso que haja uma empresa farmacêutica interessada e ela precisa encaminhar para avaliação um dossiê com documentação administrativa, de comprovação de qualidade e de comprovação de segurança e eficácia, essas compostas por relatórios de estudos não clínicos (não realizados em seres humanos) e relatórios de estudos clínicos (realizados em seres humanos).

Assim, com a apresentação dos dados, devem ser passar informações de qualidade do medicamento, além da certificação de cumprimento dos princípios de boas práticas de fabricação da linha em que ele será fabricado e as respectivas autorizações sanitárias para o funcionamento da empresa.

"A análise desses dados deve se pautar na relação benefício/risco do medicamento. São registrados os medicamentos cujos estudos comprovem que os benefícios superam os riscos", afirmam as normas da agência.

Revide On-line
Laura Scarpelini
Fotos: Arquivo Revide/Divulgação

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