
Porque o ambiente de trabalho importa
Às vésperas do Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, o procurador Élisson Miessa fala sobre as principais causas de acidentes e doenças causados pela atividade laboral
As denúncias sobre saúde e segurança do trabalho cresceram quase 21% na região de Ribeirão Preto, passando de 339 em 2023 para 410 no ano passado, segundo o Ministério Público do Trabalho. O dado reforça a importância do 27 de abril, Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, criado em 2003 pela OIT. No Brasil, a data também homenageia vítimas de acidentes e doenças laborais. Segundo o procurador do Trabalho Élisson Miessa, o aumento está ligado, principalmente, ao crescimento das denúncias por assédio moral e questões de saúde mental, que têm preocupado cada vez mais o MPT na região.
Historicamente, qual frente demanda mais a atuação do MPT na região?
Posso dizer que cerca de 70% das matérias em que atuamos estão relacionadas ao meio ambiente do trabalho. Isso envolve desde ações preventivas, programas de gestão de risco e saúde ocupacional, até questões ergonômicas e de prevenção de acidentes. Também damos bastante ênfase ao combate ao trabalho degradante e, em alguns casos, ao trabalho análogo à escravidão, como quando uma empresa oferece alojamentos sem condições dignas. Nossa atuação é bem dinâmica: posso estar numa fiscalização, numa audiência ou em reuniões com setores da sociedade.
A que o senhor atribui os aumentos nos números de denúncias relativas à saúde e segurança do trabalho na região do MPT de Ribeirão Preto, entre 2023 e 2024?
Um dos aspectos desse meio ambiente de trabalho que a gente trata depende de uma análise psicológica nas relações de trabalho. Quando você tem cumprimento de metas estabelecido por uma empresa, por exemplo, até que ponto ele não gera um assédio moral? Isso também gera uma [necessidade de] preservação do meio ambiente de segurança do trabalho. A gente teve um aumento considerável especialmente relacionado a assédio moral, seja por um maior conhecimento das pessoas sobre seus direitos e da função do Ministério Público, seja porque hoje em dia as relações estão degradadas e, dentro dessa bipolaridade, as pessoas acabam sendo mais agressivas. Basta um caso de assédio moral identificado para atingir de forma global o interior da empresa. Então, acho que esse aumento está relacionado a doenças psicológicas e a esse assédio moral, que teve um aumento considerável no número de denúncias.
Quais canais uma ocorrência de acidente de trabalho deve percorrer até chegar ao senhor? E que circunstâncias devem apresentar para merecerem a proposição de uma ação?
Quando ocorre um acidente de trabalho, o trabalhador pode acionar o INSS para obter um benefício ou entrar com uma ação contra o empregador por danos. Já a atuação do Ministério Público do Trabalho é voltada ao coletivo, à preservação do meio ambiente de trabalho. Nosso foco é entender o que poderia ter evitado aquele acidente. Por exemplo, se um trabalhador caiu de uma máquina e faleceu, analisamos se houve falha na proteção coletiva, treinamento ou gestão de risco. Tirando casos de suicídio, ninguém vai trabalhar querendo se machucar. Por isso, mesmo quando há alegação de culpa do trabalhador, buscamos entender as causas estruturais. Também podemos entrar com ação por dano moral coletivo, porque a perda de um trabalhador afeta a sociedade como um todo. E reforçamos sempre a importância do programa de gestão de riscos, obrigatório para empresas de todos os portes.
O que vem a ser esse programa?
Esse programa de gestão de riscos, elaborado por um técnico, identifica os riscos que uma empresa pode oferecer aos trabalhadores. Pode ser poeira em excesso, que exige máscaras; risco ergonômico, que demanda cadeiras adequadas; ou ruído, que exige proteção auditiva. A partir dessa análise, o técnico propõe um plano de ação para minimizar os riscos e evitar acidentes ou doenças. Nosso foco no MPT é justamente esse: prevenir. Atuamos de forma coletiva, enquanto o advogado atua no caso individual, buscando reparações por danos sofridos. Nós olhamos para o ambiente como um todo, para evitar que o problema se repita.
Pode citar um a dois casos nos quais atuou que tenham se destacado pela gravidade ou alguma particularidade especial?
Recentemente, atuei em um caso envolvendo uma plataforma elevatória. Um trabalhador estava sozinho em um galpão, subiu na plataforma e, ao dar ré, acabou prensado entre o painel da máquina e um pilar. Como ficou com o tórax pressionado, não conseguiu se soltar e morreu antes de ser encontrado. A análise preventiva mostrou que ninguém deveria operar esse tipo de equipamento sozinho. Se houvesse supervisão, ele teria sido socorrido a tempo. Casos assim mostram como a prevenção é essencial para evitar novas tragédias.
Quais são os tipos de acidentes de trabalho que mais ocorrem na região de Ribeirão Preto em que atua? E a que fatores o senhor atribui cada tipo?
O maior número de acidentes que temos na região está relacionado a máquinas, geralmente por falta de proteção coletiva adequada. Isso ocorre principalmente em empresas de médio porte. Outro tipo comum é o acidente em trabalho em altura, muito presente na construção civil. Nesses casos, os principais problemas são a ausência de treinamento e a falta de equipamentos como cintos de segurança. Muitas vezes, na pressa para concluir a obra, os trabalhadores usam andaimes sem proteção, o que pode resultar em fraturas graves ou até em mortes.
Existem atividades que geram mais acidentes de trabalho que outras ou sejam mais perigosas em nossa região?
Antigamente, sem dúvida, o maior número de acidentes de trabalho que a gente tinha era na sistemática das usinas, no corte de cana, mas com a mecanização diminuiu. Hoje, o maior número migrou especialmente para a construção civil e na indústria como um todo. Como já disse, como a gente ainda não tem a mentalidade preventiva, muitas empresas acabam usando maquinário mais velho, ou, mesmo sendo mais novo, não fazem as proteções adequadas. Trabalhando no maquinário, o trabalhador acaba cortando um dedo, uma mão, amputando um pé, enfim... a gente acaba tendo isso com mais frequência, relacionada à [falta de] proteção dos equipamentos da empresa.
Qual sua avaliação sobre a legislação atualmente vigente relativa a acidentes de trabalho? O que proporia de diferente ou a mais?
Do ponto de vista da legislação brasileira, é uma das mais modernas relacionadas ao meio ambiente como um todo e especialmente o meio ambiente do trabalho. Então, a gente tem regramento constitucional, a lei federal, mas muito mais do que isso. Na área trabalhista tem as normas regulamentares, desde aquelas relacionadas a como criar o programa de prevenção de gestão de riscos, principalmente nos ambientes que geram uma insalubridade ou periculosidade. Como deve ser um ambiente de um frigorífico? Como deve ser um ambiente da construção civil? Como devem ser as proteções das máquinas? A gente tem várias normas, na verdade, que nem sempre são observadas. Então é um problema mais de execução e de conhecimento dessas normas do que a inexistência delas.