Relatório da ONU aponta que pandemia da aids pode acabar até 2030
A perspectiva otimista deve-se ao fato do grande avanço dos métodos de tratamento e profilaxia

Relatório da ONU aponta que pandemia da aids pode acabar até 2030

Especialistas afirmam que desigualdade no acesso a tratamento e profilaxia é um dos desafios a serem superados

O novo relatório global O caminho que põe fim à aids”, divulgado pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), prevê o fim da pandemia da doença até 2030 e traz informações sobre estratégias para acabar com a ameaça à saúde pública. Além disso, a organização informa que o caminho de combate também contribuirá para o maior preparo do mundo contra novas pandemias. 

 

Eliseu Alves Waldman, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública, afirma que o relatório é muito otimista, porém baseado em dados objetivos, como o aumento expressivo na cobertura do tratamento com antirretrovirais e, consequentemente, um efeito de supressão viral dos infectados. 

 

O cenário atual da aids é caracterizado tanto por uma epidemia quanto pandemia, uma vez que a primeira refere-se, especialmente, ao número de casos em uma determinada população em relação ao esperado, e a segunda diz sobre a transmissão comunitária de um agente infeccioso em países de mais de um continente. 

 

Na prática, Ricardo Vasconcelos, médico infectologista e pesquisador do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, aponta que o diagnóstico feito pela Unaids significa uma queda considerável no número de novos casos. Com o avanço dos métodos de tratamento, o pesquisador avalia que os níveis de contágio não serão mais epidêmicos. 

 

Além disso, na visão de Waldman, com essa tendência haverá uma importante transição do fim do período pandêmico para o início do endêmico, ou seja, um momento em que a aids irá se manter com um número regular de casos, mesmo que os valores de transmissão, incidência e mortalidade variem de acordo com o contexto e localização. “A transmissão será mantida, mas em níveis bem mais baixos, com menor impacto na saúde e condições de vida das populações”, analisa o professor.

 

Inovações dos métodos 

 

A perspectiva otimista, de acordo com os especialistas, deve-se ao fato do grande avanço dos métodos de tratamento e profilaxia contra a doença. Vasconcelos também aponta que as inovações impactam no processo de diagnóstico a partir da testagem rápida, além da disponibilidade do autoteste que permite uma ampliação muito maior do acesso à testagem.

 

Outro exemplo para o qual o pesquisador chama a atenção, são os métodos de prevenção que antes resumiam-se à abstinência sexual e ao uso do preservativo. “Hoje existem as profilaxias pré-exposição, aqueles métodos de prevenção em que uma pessoa negativa para HIV toma medicamentos antirretrovirais com o objetivo de reduzir os riscos de se infectar com esse vírus”, explica o pesquisador.

 

Sob a perspectiva daqueles que já estão doentes, apesar de ainda apresentarem uma doença crônica, Waldman conta que os tratamentos atuais estão compatíveis com uma boa qualidade de vida, ampliação da esperança de vida e baixíssimo risco de transmissão por via sexual. Outro ponto que favorece a concretização da previsão estabelecida pela Unaids é a diversificação dos meios de prevenção e combate à doença, a fim de atender às individualidades e preferências de cada pessoa. Assim, a multiplicidade de métodos possibilita a prevenção combinada, ou seja, a adoção de diversos métodos preventivos que, segundo Vasconcelos, favorece a redução do número de novos casos. 

 

Essa avaliação se estende também ao combate do HIV no Brasil. Os especialistas destacam a boa experiência do setor da saúde no controle do vírus, desde a década de 1980, que repercute até os dias atuais. “O País tem acesso a tratamentos do HIV de última geração com menos efeitos colaterais e com menos comprimidos”, comenta Vasconcelos.

 

Mesmo com tantos avanços que traçam uma perspectiva otimista, ainda há pontos que merecem atenção e que foram destacados pelo relatório, como a influência na desigualdade social na distribuição igualitária dos tratamentos e profilaxias da doença. “A desigualdade de acesso à saúde é o principal combustível para que uma epidemia continue ainda ativa com novos casos todos os anos”, afirma o pesquisador Vasconcelos, ao apontar que as populações vulnerabilizadas são as mais prejudicadas. 

 

O descrédito direcionado à ciência nos últimos anos é outro desafio, de acordo com o pesquisador, visto que influencia diretamente nas políticas de saúde pública e sua eficácia. Waldman ainda argumenta que a conjuntura junto ao impacto da pandemia e as diretrizes implementadas pela última gestão presidencial desarticularam boa parte dos programas do setor saúde, entre eles o Programa Nacional de Imunizações e o Programa Nacional de DST/AIDS. O professor cita outras barreiras a serem superadas, como o estigma que, por vezes, ainda persiste entre as pessoas que portam o vírus do HIV, e a econômica, já que é necessário investimento para o enfrentamento da doença. 

 

Com informações: Jornal da USP


Agência Brasil

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