Tratamento inovador contra o câncer coloca Ribeirão Preto como referência nacional no combate à doença

Tratamento inovador contra o câncer coloca Ribeirão Preto como referência nacional no combate à doença

Ultimo paciente que passou pelo procedimento com as células CAR-T teve remissão total em um mês

Um paciente em tratamento contra o câncer há 13 anos apresentou remissão total do tumor após ser submetido ao tratamento com as células CAR-T no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. O publicitário Paulo Peregrino, de 61 anos, lutava contra um linfoma não Hodgkin e já havia passado por todas as terapias convencionais, como a quimioterapia e procedimentos cirúrgicos.

 

Segundo a equipe médica, o paciente já se preparava para receber os cuidados paliativos. Um mês após o procedimento, Peregrino apresentou remissão completa do câncer. Vanderson Rocha, professor de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Faculdade de Medicina da USP, e coordenador nacional de terapia celular da rede D’Or, esteve à frente do caso de Peregrino. 


A pesquisa foi desenvolvida em uma parceria entre a Universidade de São Paulo (USP) com o Instituto Butantan e o Hemocentro de Ribeirão Preto. Em Ribeirão Preto, já foram tratados 14 pacientes e cerca de 70% responderam bem ao procedimento logo no primeiro mês. O tratamento tem sido custeado com verbas da Fapesp e do CNPq, enquanto a recuperação é feita na rede do Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Vale lembrar que o tratamento com as células CAR-T, no momento, é liberado apenas para o chamado uso compassivo. Essa prática é adotada quando não há nenhuma outra abordagem possível para o tratamento do paciente. “A resposta inicial da maioria dos pacientes tem sido impressionante. São pacientes que não tinham mais perspectiva de cura”, avalia Dimas Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) e do Núcleo de Terapia Celular Avançada do Hemocentro de Ribeirão Preto.


Para Covas, Ribeirão Preto deverá se consolidar como uma referência na América Latina nesse tipo de tratamento. Segundo o coordenador, no futuro, quando a capacidade de produção atingir um patamar elevado, a cidade conseguirá atender pacientes de todo o Brasil e, inclusive, de outros lugares do mundo. “É um enorme avanço científico e Ribeirão Preto está na fronteira disso. Essas pesquisas podem gerar uma nova indústria no país, que envolve a produção de equipamentos e de reagentes, podendo alavancar o desenvolvimento social e econômico da cidade”, acrescenta. 


Toda essa produção está concentrada no Núcleo de Terapia Avançada (Nutera), inaugurado em 2022, no campus da USP. O laboratório é uma iniciativa do Instituto Butantan, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e do Hemocentro de Ribeirão Preto, com o apoio do governo do Estado de São Paulo. As instalações incluem laboratórios de controle de qualidade, salas de criopreservação, salas de produção de vírus, salas limpas de produção de células CAR-T, salas de preparo de meios e soluções, e áreas destinadas ao armazenamento do produto final e dos insumos em tanques criogênicos. “Com o Nutera, todo o tratamento é produzido aqui. Apenas dois casos foram tratados em São Paulo e o restante em Ribeirão Preto. Com isso, Ribeirão Preto se torna a principal referência na América Latina para esse tipo de tratamento”, ressalta Covas.

 

O médico Vanderson Rocha e o publicitário Paulo Peregrino

 

Células CAR-T


A terapia celular CAR-T é uma das mais avançadas e promissoras ferramentas do arsenal médico no combate a certos tipos de câncer de sangue, como leucemia e linfoma. A tecnologia, que futuramente poderá ser adaptada para outros tipos de câncer, consiste em reprogramar as células de defesa do próprio paciente para eliminar as células tumorais. Desde a realização dos primeiros ensaios clínicos da CAR-T, em 2010, nos Estados Unidos, mais de 10 mil pacientes terminais em todo o mundo já foram submetidos ao procedimento e muitos alcançaram remissão da doença. 


Eram pacientes desenganados, que recorreram à CAR-T como a última alternativa para tratar o câncer. Médicos que atuam com a terapia há tempos estimam que, nos primeiros anos, a taxa de sucesso para a remissão dos tumores ficava entre 30% e 40% dos pacientes; hoje, a eficácia supera os 80%. Ou seja, oito em cada 10 pacientes com leucemia ou linfoma em estágio terminal que se submetem à terapia CAR-T não apenas sobrevivem, como apresentam remissão completa dos tumores. 


Recentemente, o Brasil entrou para o mapa de países que produzem essa terapia em grande escala, com a inauguração do Programa de Terapia Celular do Instituto Butantan, Universidade de São Paulo e Hemocentro de Ribeirão Preto. O objetivo do projeto é ampliar o acesso à CAR-T e disponibilizá-la no Sistema Único de Saúde (SUS). Resultado de mais de 60 anos de pesquisa, a história da terapia CAR-T começou na década de 1950, com a descoberta do transplante de medula óssea, que é outro tipo de terapia celular.

 

“Retiramos os linfócitos do sangue do paciente e, em laboratório, os modificamos para que expressem receptores direcionados a um determinado tumor, no nosso caso, às células do linfoma ou da leucemia. Esses linfócitos, agora chamados CAR-T, são devolvidos à circulação do paciente, como em uma transfusão de sangue, e passam a combater as células do câncer. É uma modalidade sem quimioterapia ou radioterapia associada”, detalha o coordenador médico do Hemocentro, Diego Villa Clé. Os pesquisadores já estudam como transportar esse tratamento para os tumores sólidos.

 

Entenda como é realizado o tratamento com as células CAR-T

 

Anvisa


Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que o procedimento de obtenção do produto à base de células CAR-T foi notificado em janeiro deste ano e avaliado com prioridade, favorecendo a pesquisa científica e o uso experimental para o tratamento do linfoma.

 

“A Agência ressalta que essa não é uma terapia de rotina e não se aplica a todo tipo de câncer, e que estudos adicionais precisam ser conduzidos”, diz a nota. A agência reguladora acrescenta que está empenhada na avaliação de novas terapias avançadas e que, recentemente, selecionou dois projetos, por meio de um edital de chamamento, com o objetivo de apoiar a aprovação de ensaios clínicos e a produção da promissora terapia no Brasil.

 

“O Hemocentro de Ribeirão Preto tem conduzido a administração do produto em um contexto experimental, fora da estrutura de um ensaio clínico controlado. Esse recurso é aplicável em circunstâncias onde há risco imediato à vida do paciente ou quando se trata de doenças para as quais não existem alternativas terapêuticas disponíveis no país. O uso experimental deve ser notificado à Agência, conforme previsto em seu regulamento técnico (RDC 505/2022)”, completa a nota. No segundo semestre, devem ser tratados 75 pacientes com as células CAR-T, com verba pública após autorização da Anvisa. Atualmente, o tratamento só existe na rede privada, ao custo de, ao menos, R$ 2 milhões por pessoa. 


Fotos: Divulgação / Acervo Pessoal / Hemocentro

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