Universitário tratado com terapia celular inovadora de Ribeirão alcança remissão de câncer
Lucas Visconti fez tratamento com células CAR-T em Ribeirão Preto

Universitário tratado com terapia celular inovadora de Ribeirão alcança remissão de câncer

Diagnosticado com leucemia linfoblástica aguda em 2017, Lucas Visconti, de 27 anos, encontrou uma nova esperança na terapia celular CAR-T

Vencendo o jogo de vôlei do campeonato da faculdade, uma de suas paixões, e sendo eleito o melhor jogador da partida: foi assim que Lucas Visconti, 27, comemorou o sucesso de seu novo tratamento com a terapia celular CAR-T alguns dias após ter alta do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). O estudante de Medicina de Paraíba do Sul (RJ) foi diagnosticado com leucemia linfoblástica aguda de células B em 2017, aos 22 anos, e mesmo com diversas sessões de quimioterapia e um transplante de medula óssea, o câncer retornou quatro vezes. Com a quantidade de recidivas e a ausência de um novo doador compatível, ele foi um dos primeiros pacientes brasileiros com leucemia a ser indicado para a terapia experimental com células CAR-T, desenvolvida no Centro de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto (SP).

 

A terapia celular CAR-T é um tratamento inovador que usa as próprias células de defesa do paciente, reprogramadas geneticamente em laboratório, para combater as células do câncer. No entanto, seu acesso é extremamente limitado, já que só é aprovado fora do país e pode custar US$ 500 mil por aplicação, chegando a US$ 1 milhão com os gastos hospitalares. No Brasil, a terapia tem sido aplicada nos últimos anos por decisão médica em pacientes que já esgotaram todas as opções de tratamento e não melhoraram – como foi o caso de Lucas, selecionado para a terapia no começo deste ano.

 

Ele conta que sentia muitas dores de cabeça, às vezes chegava a desmaiar, e mesmo passando por vários neurologistas, o diagnóstico não vinha. Depois, a dor de cabeça evoluiu para uma visão dupla (diplopia). Após se consultar com um oftalmologista, ele fez um tratamento com corticoides e melhorou, mas conforme foi retirando a medicação, os sintomas voltaram. Lucas e sua família continuaram atrás de respostas, até que, durante uma viagem com os amigos, ele passou mal e foi levado ao hospital. O neurocirurgião que o atendeu fez uma punção do líquor (líquido que permeia o cérebro e a medula espinhal, na região da lombar) e descobriu uma hipertensão intracraniana, indicando a necessidade de cirurgia. 

 

Lucas chegou a ser internado, mas, no pré-operatório, voltou a tomar corticoide e os sintomas melhoraram novamente. Após a análise do líquor, os médicos descobriram que o seu quadro não era neurológico. A cirurgia foi cancelada e ele foi encaminhado para um hematologista. 

 

“Quando recebi o diagnóstico de leucemia, em 2017, pareceu cena de filme quando a pessoa é nocauteada e fica sem entender o que está acontecendo. O hematologista explicou tudo, mas naquele momento eu já não estava conseguindo mais prestar atenção", lembra o universitário.

 

 

Persistência

 

Lucas trancou a faculdade, fez seis meses de quimioterapia e respondeu muito bem ao tratamento. No entanto, em 2019, ele recebeu pela primeira vez a notícia de que a doença tinha voltado. Foi quando viajou para São Paulo e passou a se consultar com o médico hematologista Vanderson Rocha, diretor da unidade de Transplante de Medula Óssea do HC-FMUSP. O estudante recebeu o transplante de medula óssea de seu irmão, que era 50% compatível, e novamente conseguiu entrar em remissão.

 

Um ano depois, em 2020, Lucas sofreu mais uma recidiva. Naquele momento, seu médico indicou o tratamento com células CAR-T, mas seria preciso fazer no exterior e o custo era muito elevado. A outra opção foi fazer uma quimioterapia mais forte. “Foi muito pesado, mas apesar dos efeitos colaterais já esperados, correu tudo bem”, conta o estudante, que sempre lidou bem com a situação, apesar das dificuldades. O tratamento foi bem-sucedido e Lucas ficou livre da doença. 

 

Mas, no início de 2021, o câncer voltou a aparecer pela terceira vez, exigindo novas sessões de quimioterapia. No final do ano passado, veio a quarta recidiva. “Sempre tive todo o apoio, sempre ocorreu tudo da melhor maneira, mas nunca é leve. Você achar que está tudo bem, a vida começar a caminhar novamente e a doença voltar. É difícil ter que parar e readaptar a minha vida toda de novo, me afastar de tudo o que eu gosto de fazer, dos esportes, da minha faculdade”, lamenta Lucas.

 

 

Uma virada no jogo (e na vida)

 

Apesar da decepção de uma nova recidiva, veio também uma boa notícia: Lucas foi selecionado para participar da terapia experimental com células CAR-T do Centro de Terapia Celular de Ribeirão Preto. “Ele tolerou vários tratamentos, e nós sabemos que a recaída mesmo após um transplante é um caso muito grave. Depois de analisar bem o caso, decidimos que o ideal seria a CAR-T. Então, surgiu essa oportunidade com a equipe de Ribeirão Preto. Sem eles, nós não poderíamos ter feito o tratamento. A história do Lucas é uma história não só dele, mas de vários brasileiros que precisam da terapia celular”, diz o médico Vanderson Rocha.

 

Lucas foi internado no dia 21 de fevereiro e, enquanto se preparava para receber a terapia, teve Covid-19 e precisou esperar mais dois meses para dar início ao tratamento. Durante esse período, um pensamento não saía de sua cabeça: o desejo de jogar vôlei no campeonato da faculdade. “Mesmo no hospital, eu me exercitava como podia e tentava me manter ativo o máximo possível. É o meu último ano da graduação e significava muito para mim jogar esse campeonato", destacou.

 

Em 26 de abril, Lucas recebeu as células CAR-T e seu organismo respondeu muito rápido: seus linfócitos T, agora modificados, estavam combatendo o câncer. Ele ficou em observação para acompanhar os efeitos adversos da terapia, como febre e dor de cabeça, que no caso dele foram leves e passageiros. O estudante fez acompanhamentos semanais e, hoje, refaz os exames a cada 15 dias, em São Paulo. Ele está em remissão – ainda não pode ser considerado curado, já que para a terapia com células CAR-T isso só ocorre após 15 anos sem a doença, mas certamente é vitorioso.

 

Lucas teve alta no dia 21 de maio e voltou para a sua cidade a tempo de participar do campeonato da faculdade, que aconteceria em Valença (RJ), onde estuda. Era um sábado, semifinal, e seu time estava perdendo de 6 a 0 no tiebreak. O jovem estava no banco e, então, o técnico perguntou se ele queria jogar.

 

“Eu entrei, a gente virou o jogo e ganhou. E eu também fui escolhido como o melhor jogador da partida. Foi um momento muito especial, muito emocionante – acredito que não só para mim, mas para todos que estavam ali e acompanharam a minha história", comemora o universitário.

 

 

Poucas limitações

 

Para Lucas, a rápida recuperação e a baixa quantidade de efeitos colaterais e restrições foram outras vantagens do tratamento com a terapia CAR-T. Ele não sentiu enjoo, cansaço, não perdeu o apetite e nem teve queda de cabelo. O estudante explica que a quimioterapia e o transplante de medula óssea são tratamentos muito debilitantes fisicamente, e são acompanhados de muitas restrições, pois reduzem a imunidade. 

 

“Minha imunidade ficou muito baixa. Com a quimioterapia, eu sentia um cansaço muito forte e náuseas. A terapia CAR-T foi bem mais tranquila, só tive um pouco de febre. Não tem nem comparação", garantiu.


 

A terapia do futuro

 

O estudante de Medicina compartilha a sua trajetória com um tom confiante e com muitos planos para o futuro. Um deles é se tornar hematologista para poder ajudar outras pessoas como ele – espelhando-se na equipe médica que o acompanhou durante essa batalha.

 

“Agora eu posso ser uma referência para futuros pacientes. Estou muito feliz e esperançoso, acreditando bastante que dessa vez é definitivo. Vai ficar tudo bem, vou poder me formar, trabalhar", comentou Lucas.

 

Tratamento inovador

O tratamento individualizado e inovador está ficando mais próximo da realidade dos brasileiros. Em junho, o Butantan, a Universidade de São Paulo e o Hemocentro de Ribeirão Preto inauguraram dois centros avançados de produção de terapia celular para câncer, um em São Paulo e outro em Ribeirão Preto. A princípio, as unidades serão focadas no tratamento de cânceres do sangue e terão capacidade de atender até 300 pacientes por ano. Para ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a terapia ainda passará por estudos clínicos. A fase 1 deve ter início em outubro, com 30 pacientes com linfoma não Hodgkin de células B. 

 

Segundo o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, que lidera o estudo, trata-se de uma tecnologia revolucionária. “As terapias avançadas como a CAR-T são o último desenvolvimento da indústria de biotecnologia no mundo. E tivemos o prazer e a satisfação de lançar o maior programa para produção dessa terapia da América Latina – e um dos maiores do mundo. Isso é absolutamente inovador e inédito no Brasil”, disse Covas.

 

O médico hematologista Vanderson Rocha, que atendeu Lucas, acredita que a parceria entre as instituições é um passo importante para mudar o cenário do tratamento do câncer no país. “Esse novo núcleo é um avanço enorme para o Brasil e para toda a América Latina, pois as células CAR-T serão produzidas em fábrica própria, sem depender da indústria farmacêutica. É uma oportunidade para os pacientes que não têm condições financeiras de tratar fora do país. E isso pode abrir portas para outros tipos de terapias avançadas, como terapias gênicas para doenças genéticas”, afirmou.

 

Para Lucas, ver os resultados positivos da terapia CAR-T não só em sua experiência pessoal, mas em demais pesquisas no Brasil e no mundo, é uma grande motivação. “Fico muito feliz não só por mim, mas por todos os outros pacientes que terão a possibilidade de fazer esse tratamento. Com certeza, isso vai ajudar muitas pessoas", destacou.

 

* Com informações do Instituto Butantan


Foto: Instituto Butantan

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