Vacina da dengue deve proteger de todos os subtipos da doença; entenda a complexidade do ensaio clínico
Etapa final é importante porque avalia a eficácia do imunizante

Vacina da dengue deve proteger de todos os subtipos da doença; entenda a complexidade do ensaio clínico

O imunizante do Butantan está na etapa final do estudo clínico e, se aprovado, deverá ser disponibilizado no SUS

A vacina tetravalente contra a dengue do Instituto Butantan começou a ser desenvolvida há mais de 10 anos, a partir de uma parceria com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIADI) – responsável por atenuar os quatro tipos de vírus da dengue e enviá-los ao Butantan para a produção do imunizante. Após se mostrar segura e imunogênica nas primeiras fases dos ensaios clínicos, a vacina já foi administrada em mais de 16 mil pessoas na fase 3 e está na reta final da pesquisa. Mas por que ela ainda não chegou aos braços da população? 

Todo estudo clínico de um imunizante é extremamente complexo e passa por diversas fases, que demoram anos para serem concluídas. Uma vacina multivalente como a da dengue, que contém quatro vírus diferentes, torna o estudo ainda mais desafiador. Isso porque, na formulação final, é essencial que cada um dos monovalentes (ou seja, cada um dos componentes da vacina que protege de uma cepa diferente) apresente o mesmo título viral (quantidade de vírus). Dessa forma, a vacina é capaz de induzir produção de anticorpos contra os quatro patógenos de forma semelhante. 

Tudo começa com a infecção das células pelo vírus, que depois é colhido, filtrado, purificado e concentrado. Durante esse processo, mesmo que o vírus seja mantido em temperaturas baixas, ele vai perdendo um pouco de sua atividade, pois não está dentro de uma célula – o ambiente que ele precisa para se desenvolver. “Precisamos ter cuidado para que o produto final tenha a mesma quantidade dos quatro tipos de vírus dengue (1, 2, 3 e 4), para que a vacina seja eficaz contra todos eles. Os estudos clínicos precisam ser muito bem estruturados para que se comprove a segurança, imunogenicidade e eficácia do novo produto. É muita responsabilidade colocar uma vacina no mercado”, afirma a gerente de projetos do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas Virais do Butantan, Neuza Frazatti Gallina. 

No caso da pandemia de Covid-19, por se tratar de uma emergência mundial de saúde pública, os imunizantes passaram por todo o estudo clínico de forma muito mais rápida. Isso não significa que a pesquisa se tornou menos complexa ou que as vacinas são menos eficazes: é comprovado que elas protegem contra a doença, principalmente contra a sua forma grave, mas a duração da imunidade ainda está sendo desvendada. Por exemplo, no início da vacinação, não sabíamos que seria necessária uma dose de reforço – e hoje já estamos na quarta dose. Realizar todas as análises necessárias nos ensaios clínicos é muito importante para determinar com mais clareza quantas doses serão necessárias e quanto tempo dura a imunidade, antes de a vacina ser disponibilizada à população. 

Importância da proteção contra os quatro sorotipos 

Quando uma pessoa é infectada por um tipo de vírus da dengue, ela cria anticorpos contra aquele vírus, mas continua sem proteção contra os outros três. Caso ela seja reinfectada por um dos outros tipos, a chance de desenvolver uma doença grave é maior, por isso é essencial que a vacina proteja contra as quatro cepas. “Os anticorpos que foram produzidos anteriormente, em vez de neutralizar o novo vírus, acabam potencializando a sua replicação, levando a uma piora do quadro”, explica Neuza. Os sintomas graves podem incluir fortes dores abdominais, vômitos, sangramentos e tontura. 

Hoje, o Brasil possui uma vacina contra a dengue aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disponibilizada na rede privada. No entanto, os estudos clínicos indicaram que ela não é recomendada para pessoas que nunca tiveram dengue, pois ela pode agravar uma futura infecção nesse público, conforme informado pela Anvisa. A vacina do Butantan já mostrou proteção tanto para quem nunca teve dengue como para aqueles que já tiveram a doença e, caso seja aprovada, deverá ser distribuída pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI). 

Os passos para a aprovação da vacina

Depois de ter passado pelos estudos clínicos de fase 1 e 2, que comprovaram a sua segurança e imunogenicidade com uma dose única de 0,5 mL, a vacina contra a dengue avançou para a fase 3 em 2016 e já foi aplicada em cerca de 17 mil indivíduos, que devem ser acompanhados por cinco anos. Essa etapa é importante porque avalia a eficácia do imunizante – ou seja, sua capacidade de evitar a infecção no grupo que foi vacinado, em comparação ao grupo que recebeu placebo. 

Os dados obtidos na fase 3 já foram compilados e enviados para análise de uma comissão formada por cientistas sem vínculo com o Butantan, brasileiros e estrangeiros. Quando os dados retornarem, os pesquisadores do instituto produzirão relatórios que serão encaminhados para a avaliação da Anvisa. Todo o processo de aprovação e distribuição da vacina para todo o país pode durar cerca de dois anos. 

Nesse meio tempo, Neuza afirma que a transferência de tecnologia da escala laboratorial para a escala industrial já está em andamento no Butantan. “No início de 2020, parte da equipe da área de desenvolvimento migrou para a área bioindustrial do Butantan para ajudar na transferência da tecnologia da produção da vacina da dengue. Agora, os pesquisadores do setor bioindustrial estão escalonando os processos desenvolvidos para produzir a vacina em uma escala maior, com milhões de doses”.

*Com informações do Instituto Butantan


Foto: Divulgação/Instuto Butantan

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