Vida e obra na medicina
Hélio Rubens Machado: coordenador da área de neurocirurgia da epilepsia na infância do HCRP

Vida e obra na medicina

Hélio Rubens Machado é o neurocirurgião responsável pelas cirurgias de separação de gêmeos siameses realizadas no Hospital das Clínicas, em Ribeirão Preto

Uma referência na medicina, Dr. Hélio Rubens Machado tem no tratamento cirúrgico da Epilepsia na infância sua principal linha de pesquisa, somada às áreas de interesse de estudo em malformações congênitas do sistema nervoso, cirurgia crânio-facial ultra-complexa, neoplasias cerebrais na infância e neurocirurgia endocrinológica.

 

Ele passou um bom tempo no exterior, dedicando-se à especialização em Neurocirurgia, feita no Collège de Médécine de Paris (1976) e Assistant Étranger pela Faculté de Médécine de Paris-ouest (Université de Paris, 1976), em seguida fez Mestrado (1979) e Doutorado (1984) pela FMRP USP, especializou-se em neurocirurgia pediátrica no Hôpital Necker- Enfants Malades de Paris (1984) e fez o pós-doutoramento no Hospital for Sick Kids em Toronto, no Canadá (1991).

 

Em 1988, foi contratado como docente da FMRP USP, onde fez a livre docência e passou a Professor Titular de Neurocirurgia em 2007, atuando desde então como professor em tempo integral no Hospital das Clínicas. Fundador e Chefe da Divisão de Neurocirurgia Pediátrica da FMRP USP, membro fundador da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Pediátrica, pesquisador do CNPq, ele também foi Diretor Clínico e Superintendente substituto do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto no período de 2003 a 2010, quando coordenou o projeto de construção do HC Criança e do Centro de Reabilitação Lucy Montoro, ambos ligados ao Hospital das Clínicas da FMRP USP.


Como se deu o processo de cirurgia de separação das gêmeas?

Essas gêmeas vieram agora porque, em 2018, nós havíamos separado outras gêmeas craniopaguas, que vieram do Ceará. Para essa separação, tivemos participação de um colega meu, neurocirurgião americano, Doutor James Kurdish. Em decorrência desse caso, devido à publicidade, nós tivemos esse segundo caso, das gêmeas de Presidente Prudente. O pais ouviram falar do caso e nos procuraram com a mãe ainda grávida. Com isso, pudemos acompanhar este segundo caso integralmente, porque as crianças nasceram aqui no Hospital das Clínicas.

 

Qual avaliação das mudanças da primeira cirurgia para a cirurgia final?

Desde o primeiro caso, em 2018, até aqui, aconteceram muitas mudanças que foram favoráveis para nós. No primeiro caso nós já tínhamos utilizado modelos tridimensionais, que são extraídos de imagens de ressonância magnética e tomografia computadorizada, são modelos reconstruídos com aparelhos de impressoras 3D, que são capazes de refazer a tomografia perfeita das crianças, seja em acrílico ou em cerâmica. Com isso, pudemos estudar muito perfeitamente o caso. A principal diferença para este segundo caso foi que tínhamos os mesmos tipos de modelo, que são feitos nos Estados Unidos, mas também modelos feitos aqui mesmo, no nosso Campus, através da Faculdade de Física, e que possibilitaram que pudéssemos estudar perfeitamente a forma como a reconstrução deveria ser feita. Além disso, pudemos contar, também, feito aqui no Campus, com realidade virtual, que é capaz de nos mostrar de uma forma tridimensional exatamente como é a circulação venosa das crianças.

 

Quais considera serem os investimentos essenciais na sua área de atuação?

Minha área de atuação, que é a neurocirurgia pediátrica, que são todos os procedimentos ligados ao sistema nervoso da criança, é uma área muito sensível à tecnologia. Nós precisamos sempre de contínuos investimentos em alta tecnologia. Assim nossos equipamentos de ressonância magnética têm que ser muito especiais, tomografia computadorizada. Nós contamos também com outros instrumentos computadorizados, como o PET Scan e outros equipamentos que utilizamos durante a cirurgia, especialmente um que se chama neuronavegação, sem o qual é muito difícil planejar a cirurgia. Esse equipamento possibilita que as imagens que nós obtemos em uma ressonância magnética possam ser transferidas na hora da cirurgia para o paciente que estamos operando, como se fosse um GPS, e isso auxilia demais o cirurgião na sua abordagem.

 

Poderia citar as experiências mais marcantes ao longo da sua jornada na medicina?

Eu posso citar muita coisa, porque acompanhei os avanços da medicina nos últimos 50 anos, que é o tempo que estou trabalhando em neurocirurgia, especialmente na área pediátrica. Ao longo desse período, muitas inovações tecnológicas aconteceram. Algumas já citadas, mas investimentos marcantes aqui na nossa região, principalmente quando completamos o HC Criança, porque sem essa estrutura exclusiva nós não podemos fazer cirurgias de alta complexidade como as que fazemos. Isso possibilita que diversos especialistas atuem em um mesmo espaço. Espaço este totalmente dedicado para crianças, com setores ultra especializados em terapia intensiva e enfermarias especiais, por exemplo. Sem toda essa evolução de internação, hospitalização e cuidados, sem a multidisciplinaridade, não existe há como realizar uma cirurgia de forma adequada. Além disso, nós precisamos sempre contar com reabilitação especializada, porque nossos pacientes precisam ser reabilitados quando existe alguma lesão neurológica.

 


Dr Hélio se orgulha da criação do CIREP, um centro reconhecido internacionalmente

 

Os avanços na sua área de atuação seguem acompanhando as necessidades médicas ou seria necessário um acelerador nas pesquisas?

Pesquisas na área médica, especialmente nas áreas clínicas cirúrgicas e tecnológicas, são absolutamente necessárias. Essas pesquisas, todo este trabalho, quem trabalha na universidade na área acadêmica, está constantemente envolvido não só na pesquisa, mas na assistência e no ensino. Todos esses fatores são aceleradores para nós. O contato frequente com alunos e pós-graduandos, o contato frequente com pesquisas de alto nível, financiadas por agências de fomento no estado de São Paulo, como a Fapesp. Sem isso não conseguimos avançar. Eu considero, hoje, na minha área, plenamente, estar par a par com os avanços da medicina, seja nos Estados Unidos ou na Europa.


Existe algo na área sendo estudado por pesquisadores para melhorar os procedimentos?

im, no nosso ambiente existem pesquisas que são fundamentais, especialmente na área de genética, que mostram na oncologia pediátrica, por exemplo, enormes avanços. Hoje, além do tratamento cirúrgico com radioterapia, nós temos condição de tratar do ponto de vista genético, atuando em lesões cerebrais em crianças com excelentes resultados. Além disso, melhorando muito na nossa abordagem de pacientes, nós temos aqui no nosso ambiente, como pesquisa em desenvolvimento a cirurgia robótica em neurocirurgia. O que eu tenho certeza é que este é um grande desafio, mas com certeza terá um impacto muito grande nos próximos anos. No campo da neurocirurgia pediátrica o avanço foi enorme nas últimas décadas, principalmente nos últimos 20 anos. Isso se reflete no bem-estar e na cura dos nossos pacientes, que têm, muitas vezes, lesões aparentemente insuperáveis, mas que hoje conseguem ter um excelente resultado. Um típico exemplo são as gêmeas siamesas unidas pela cabeça, com sucesso muito grande. 

 

Você também desenvolveu importante trabalho na área de neurocirurgia da epilepsia na infância...

Entre tudo o que já fiz na vida, foi marcante para mim também esse trabalho inédito de alta complexidade com crianças que vem do Brasil inteiro, realizado no CIREP (Centro de Cirurgia de Epilepsia). Partimos do zero para criar a área de neurocirurgia da epilepsia na infância. Fomos ganhando experiência com o tempo, nos apoiando em iniciativas e pessoas competentes até chegar ao ponto em que estamos hoje duas décadas depois como um centro reconhecido internacionalmente com mais de 700 crianças operadas provenientes de todo Brasil. Para mim, que participei de todas as fases, foi e tem sido muito gratificante.

 

Qual a importância do HC Criança para Ribeirão Preto e o país?

Sou suspeito para falar porque me envolvi muito. Atuei em vários hospitais pediátricos no exterior e considero impossível trabalhar em um centro de alta complexidade como o nosso sem ter um centro especializado. Fizemos vários estudos que demonstraram existir crianças internadas em todos os andares do HC, nem sempre recebendo atendimento na qualidade necessária, esse foi o embrião do hospital infantil. Não seria possível fazer cirurgias tão complexas, como a das gêmeas siamesas por exemplo, sem um ambiente especial, feito para acolher a criança e a mãe, pois esse convívio é fundamental para uma melhor resposta aos tratamentos, especialmente em casos graves. É preciso ter autonomia, personalidade própria, e uma estrutura adequada para reunir pessoas, não apenas médicos pediatras e especialistas que atuam com crianças em suas áreas como neurologia, radiologia, ortopedia, entre outras, mas também enfermeiros ultra especializados, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, etc. Começamos a pleno vapor em 2017 e já estamos pequenos para nossa realidade, precisando de mais espaço físico, pessoal e renovação de equipamentos, além de concluir a união direta do HC Criança com o Centro Cirúrgico Central. Vemos os frutos dessa realização — da existência do HC Criança —, ao receber casos considerados ultra complexos e termos sucesso.

 

E por que a escolha por trabalhar com crianças? São 50 anos de formado e, depois da formação inicial em neurocirurgia geral, logo passei a trabalhar com crianças, algo extremamente gratificante porque nossa função é dar condições de recuperação a quem apresenta problemas neurológicos complexos e as crianças tem muita neuroplasticidade, uma maior capacidade de reorganização cerebral para que isso aconteça. Lidar com crianças é o trabalho da sua vida. Em Ribeirão Preto trabalhamos em um centro muito privilegiado, em qualquer lugar um grande desafio é juntar pessoas e aqui somos um centro formador de gente de primeira linha, o que torna essa caminhada muito mais fácil. Outro desafio é o técnico, o que também não é nossa realidade, há colegas que trabalham em alguns locais do norte e nordeste enfrentando todo tipo de dificuldades, desde físicas, para os pacientes chegarem até eles, com realização de exames, etc. 

 

 


Fotos: Revide

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