Engenheiro de Ribeirão Preto atua em nova base brasileira da Antártica
Nicolau Gentil Iucif deixou o calor de Ribeirão Preto para trabalhar em temperaturas abaixo de zero na Antártica

Engenheiro de Ribeirão Preto atua em nova base brasileira da Antártica

Nicolau Gentil Iucif participou de todo o processo de construção da Estação Comandante Ferraz

A primeira pergunta que o engenheiro Nicolau Gentil Iucif precisou responder foi "como o seu celular funciona tão bem aí?". Falando diretamente da Estação Comandante Ferraz, na Ilha de Reio George, na Antártica, a voz do ribeirãopretano soava tão clara quanto a neve. “Uma empresa de telefonia montou uma estrutura via satélite aqui. Eu falo como se eu estivesse no Rio de Janeiro, quando ligo para lá, nem preciso usar o DDD. E, no final do verão passado, a base passou a ter sinal de 4G”, explicou.

Há cerca de 4,6 mil quilômetros de Ribeirão Preto, ter o sinal de telefone e internet é um alívio para matar a saudade da família. Formado em engenharia ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, e com pós-graduação em engenharia de segurança do trabalho pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Iucif fez parte de todo o processo de montagem da nova base brasileira no continente antártico.

A Estação Comandante Ferraz foi construída em 1984, mas, em 2012, foi atingida por um incêndio de grandes proporções. Na tragédia, dois militares morreram e cerca de 70% do complexo foi destruído. O Brasil faz parte de um grupo de 29 países que têm estações científicas na Antártica. A presença no local é importante tanto por questões científicas, quanto diplomáticas. De acordo com o Tratado Antártico, só quem desenvolve pesquisas na região tem direito a voto sobre o futuro do continente gelado. 

Por isso, após o incêndio, o governo federal investiu cerca de 100 milhões de dólares (o equivalente a R$ 420 milhões na cotação atual) na reconstrução da base. E é nesse ponto que o engenheiro criado no calor de Ribeirão Preto pôde conhecer o “confortável” verão antártico com sensação térmica de -12ºC.

Dentre as placas de vários locais do mundo, não poderia faltar Ribeirão Preto

A NGI Engenharia, empresa de Iucif, foi contratada pela Ceiec (China National Electronics Import and Export Corporation), uma estatal chinesa vencedora da licitação aberta pela Marinha brasileira, em 2015. O projeto de construção foi feito em quatro etapas; duas de pré-montagem dos módulos na China e duas na Antártica.

O engenheiro explica que, durante o inverno, as estruturas eram montadas em solo chinês. “No inverno, o trabalho lá é inviável. A temperatura é por volta de -25º e -30ºC”, conta Iucif.  Os trabalhos ao lado da firma asiática tiveram início em outubro de 2016. Desde então, o ribeirãopretano alternou períodos de trabalho entre os continentes. Foram quatro viagens à Antártica e três à China. "Essa última fase foi mais tranquila, eu passava cerca de três meses fora só. Mas, em 2017, eu fiquei 11 meses fora", lembra o engenheiro.

A nova estação dispõe de uma área de 4,5 mil metros quadrados divididos em 17 laboratórios multidisciplinares, biblioteca, academia, auditório, dormitórios para hospedar até 64 pessoas, entre outros ambientes. O local é administrado por um grupo de 16 militares da Marinha do Brasil, responsáveis por apoiar as pesquisas.  Para que toda equipe fique protegida do frio, a estação possui três camadas de isolamento térmico e um sistema de aquecimento interno, que mantém a temperatura em uma média de 23ºC. “Dá até pra ficar de camiseta”, conta Iucif.

Para manter tudo funcionando, o complexo possui quatro geradores à diesel, 30 painéis fotovoltaicos e oito aerogeradores. Do lado externo, a estrutura foi pensada para ter o mínimo de contato possível com a neve. A construção não chega a tocar o solo, ficando suspensa por enormes pilares. Esse design faz com que o vento seja maior na parte de baixo do prédio, evitando o acúmulo de neve. Com a estrutura já montada, Iucif é o responsável técnico da área ambiental e de segurança do trabalho na estação.  No momento, o ribeirãopretano realiza os últimos testes e ajustes das estruturas construídas.

Inauguração e perigos

A cerimônia de reinauguração foi realizada no último dia 15 de janeiro e contou com a presença do vice-presidente da República, General Hamilton Mourão (PRTB), e o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes. Todavia, o evento precisou ser adiado por um dia, devido ao mau tempo.  A viagem para a Antártica parte de Punta Arenas, cidade no extremo sul do Chile, em um avião Hércules, da Força Aérea Brasileira (FAB). Para que o voo seja autorizado é necessário que haja uma “janela meteorológica”. Ou seja, um espaço de tempo em que as condições climáticas estejam ideias para o voo, que leva cerca de três horas.

O engenheiro ribeirãopretano explica que todo cuidado é pouco nesse percurso. Apesar de teoricamente pequeno, é um local extremamente perigoso. Na última viagem que fez de Punta Arenas para a Ilha de Rei George, Iucif aguardou por quatro noites pela janela meteorológica ideal. "Eles tem que atravessar a passagem de Drake, que é o mar mais perigoso do mundo", conta.  A passagem Drake é considerada uma das zonas mais tempestuosas para a navegação entre o continente sul-americano e o antártico. Situada na "divisa" do Oceano Pacifico e Atlântico, a rota possui de cerca de 800 km e ondas que podem chegar aos 15 metros de altura. No dia 13 de dezembro de 2019, um avião chileno com 38 pessoas a bordo, caiu no local. Ninguém sobreviveu.


Foto: Arquivo Pessoal/ Nicolau Gentil Iucif

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