Prefeitura de Ribeirão Preto bloqueia palavra “buracos” nas redes sociais
“Nojeira”, “esburacado” e “publicidade” são algumas das palavras proibidas no Facebook da Prefeitura

Prefeitura de Ribeirão Preto bloqueia palavra “buracos” nas redes sociais

Portal Revide teve acesso a dados das redes sociais da Prefeitura por meio da Lei de Acesso à Informação

O morador que quiser reclamar dos buracos nas ruas de Ribeirão Preto no Facebook da Prefeitura terá que enfrentar um quebra cabeça. Isso porque as palavras “buracos”, “esburacada”, “cratera” e “crateras” foram bloqueadas das redes sociais do poder público municipal.

 

Por meio de um pedido via Lei de Acesso à Informação o Portal Revide teve acesso a dados da principal rede social da administração ribeirãopretana. Nas informações, consta que a Prefeitura bloqueou 112 usuários, proibiu a utilização de 15 termos, além de ter desembolsado cerca R$ 24 mil para impulsionar publicações no Facebook.

 

Utilizando um recurso do site, a Prefeitura bloqueou os seguintes termos em sua página oficial no Facebook: buracos, esburacada, cratera, crateras, nojeira, nojeirinha, odebrech (com a grafia incorreta), prefake, fake, nogueirópolis, nogueiropolis, corrupto, publicidade, propaganda e enganosa.

 

Desse modo, qualquer publicação ou comentário que contenha alguma dessas expressões é automaticamente bloqueada do perfil do Executivo municipal. De acordo com os termos de uso da página oficial da Prefeitura são proibidos os comentários ofensivos ou que desrespeitem membros da administração.

 

Também proíbem comentários repetidos, que incitem a violência ou escritos por perfis falsos. "Este é o espaço fundamental para trocarmos ideias sobre a nossa cidade. Queremos manter este canal sempre ativo para, juntos, pensarmos em Ribeirão", está escrito nos termos de uso.

 

Bloqueios

Além das palavra

s proibidas, 112 perfis estão impedidos de interagirem com as publicações da Prefeitura de Ribeirão Preto. Sendo, 31 pessoas bloqueadas na gestão Duarte Nogueira (PSDB) e outras 81 pessoas entre dezembro de 2011 e dezembro de 2016, durante o governo de Dárcy Vera. Dentre os perfis bloqueados por Dárcy, está até o do ex-vereador Oliveira Júnior.

 

O número de bloqueios teve o ápice em 2016, ano da deflagração da Operação Sevandija, quando 20 perfis foram impedidos de interagir com a página da Prefeitura. Mesmo assim, entre 2011 e 2016, o governo Dárcy Vera bloqueou, em média, 13 usuários por ano. Enquanto o governo atual, bloqueou 15 perfis no primeiro ano e 16 no segundo.

 

 

Em maio desse ano, uma atitude semelhante causou problemas de repercussão mundial nos Estados Unidos. O presidente Donald Trump bloqueou vários perfis em sua conta pessoal no Twitter. Contudo, a justiça estadunidense entendeu a atitude como sendo inconstitucional, já que o perfil presidencial trata de assuntos de interesse público e a população não poderia ser impedida de ter acesso à esses dados.

 

O caso mais recente de repercussão nacional envolveu o ministro da Educação Abraham Weintraub e a professora e antropóloga Débora Diniz. A professora criticou a atitude do ministro de tratar com ironia o episódio envolvendo o transporte de 39 kg de cocaína no avião presidencial.

 

Após a crítica, Débora foi bloqueada do perfil do Twitter de Weintraub. A resposta veio no início de julho, quando um grupo composto por 111 advogados protocolou um mandado de segurança contra o ministro, exigindo que ele desbloqueie a professora.

 

Valores

 

O Portal Revide também teve acesso aos valores gastos pelo Executivo em publicações patrocinadas no Facebook. Entre janeiro de 2017 e junho de 2019, a Prefeitura desembolsou cerca de R$ 24 mil para aumentar o alcance de suas publicações. No geral, as postagens tratam de campanhas como a de vacinação, combate ao mosquito da dengue, vagas de empregos, eventos na cidade, entre outros assuntos.

 

Desde o início do atual governo, ele gastou, em média, R$ 800 mensais com Facebook. Contudo, os investimentos cresceram ao longo do tempo. Até dezembro de 2018, a Prefeitura gastou R$ 12 mil. Sendo R$ 300 em 2017 e R$ 11,7 mil em 2018.  Não obstante, somente nos seis primeiros meses de 2019, foram gastos mais R$ 12 mil. Uma média de R$ 2 mil por mês. 

 

O que diz a Prefeitura

 

Por meio de nota, a Prefeitura informou que os filtros de bloqueio servem para guiar a "limpeza de comentários" que trazem palavras ou expressões chulas. "Não existe intenção de se esconder nada que esteja dentro de uma normalidade na linguagem", explica. O Executivo ainda ressalta que as palavras “buraco” (no singular), “esburacados” (no masculino) e “esburacada” (no feminino) estão liberadas na página.

 

A respeito dos comentários que contenham as expressões “propaganda enganosa” ou “publicidade enganosa” foram bloqueadas porque, segundo a Prefeitura, comentários como esses levam à disseminação de “fake news”.

 

"O internauta que comenta o que vem na cabeça ou simplesmente por discordância sem fundamento não tem nenhuma responsabilidade com a verdade dos fatos. A Prefeitura Municipal, ao contrário, tem a obrigação de levar à população somente informações verdadeiras por meio de notícias, propagandas ou publicidade", declarou o governo.

 

Sobre os perfis bloqueados e um possível desrespeito ao direito à liberdade de expressão e o de informação, a Prefeitura alegou que os bloqueios tem como finalidade manter o bom uso das redes sociais.

 

"A Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto não tem nenhum problema com críticas, sugestões ou reclamações, basta analisar os posts publicados e seus comentários, mas virar “terra de ninguém” em que os usuários das redes sociais se sentem com liberdade para publicar ofensas pessoais ou 'fake news' não pode ser admitido inclusive em respeito a grande maioria da população que busca informações de qualidade", declaram.

 

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 Análise

O campo do direito digital ainda é muito novo no Brasil. Ainda são visíveis muitas brechas ou leis defasadas em relação ao avanço da tecnologia. Além disso, há um princípio jurídico que determina que o Poder Público somente pode agir conforme as previsões da legislação, sem poder inovar livremente sobre assuntos não regulados.

 

Por isso, o advogado especialista em direito digital e doutor em Ciências pela USP, Gustavo Dandreia explica que o tudo isso pode levar ao mau uso das redes sociais pelo poder público. "Servindo, em alguns casos, a interesses pessoais de governantes, com reações arbitrárias às manifestações livres dos cidadãos", comenta Dandreia.

 

Apesar da atitude ter ares de censura, o advogado ressalta que mesmo a liberdade de expressão possui limites, não podendo ter como finalidade a ofensa aos direitos de outras pessoas, como a honra e a privacidade.

 

“Em todo caso, se o Poder Público entender que esteja havendo alguma violação jurídica, não pode fazer justiça com as próprias mãos. É preciso que utilize do devido processo legal, pois o Poder Público também está submetido aos ditames da lei”, conclui Dandreia.

 

O jornalista e especialista em mídias digitais, Eduardo Soares recomenda que qualquer pessoa, empresa ou órgão que mantém um perfil em rede social deve estar aberto ao diálogo. “O fato é que no caso de órgãos públicos, muitas vezes, os problemas estão em um volume maior que as soluções propostas”, pondera.

 

Soares argumenta que é direito do proprietário de qualquer página bloquear o que acha ofensivo e que agride de alguma forma o que ela pensa. Inclusive, as redes sociais tem termos próprios pra isso, e quem passa do ponto está sujeito a sanções.

 

“A Prefeitura de Curitiba, por exemplo, se tornou um grande exemplo de como usar as redes sociais como uma maneira mais democrática de ouvir a população. É uma questão de bom senso”, conclui o Soares.

 

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Foto: Arquivo Revide

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