Troca de mensagens serve como prova para cobrança de dívidas

Troca de mensagens serve como prova para cobrança de dívidas

As mensagens eletrônicas de aplicativos da internet podem ser usadas como prova no processo, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações, respeitado o direito a intimidade dos envolvidos, assegurando a ampla defesa e contraditório.

 

“O juiz deve ser um homem do seu tempo” (famoso adágio)

 

Aplicativos de troca de mensagens instantâneas são parte da rotina de qualquer brasileiro, sendo o WhatsApp uma das plataformas mais utilizadas no mundo.

No auge da pandemia do covid-19, muitos trabalhadores foram migrados para o home office, sendo comum a utilização do aplicativo para marcação de reunião e qualquer tipo de comunicação entre os trabalhadores, bem como, para o surgimento de novos negócios.

O whatsapp é um software para smartphones utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios por meio de uma conexão a internet. A conta do aplicativo é associada ao número de telefone do usuário perante a sua operadora.

A tecnologia do aplicativo é tão disruptiva, a ponto de tornar a correspondência eletrônica (e-mail) obsoleto em várias modalidades de negócios contemporâneos.

A facilidade e a mobilidade da comunicação desta plataforma fez surgir novos modelos de negócios com suporte em diversos aplicativos de serviços, como o de transportes e de entrega de comidas, sendo difundido por startups diversas, como os aplicativos (app) de negócios (Uber, Ifood e etc).

No atual estágio da sociedade, há uma forte tendência de diminuição de documentos produzidos em meio físico, reduzindo consideravelmente o uso do papel.

Tal constatação também se mostra evidente no âmbito das relações comerciais, cujas tratativas são realizadas, em boa parte, por meio eletrônico, bastando lembrar os serviços bancários online (internet banking, pix) e as negociações e empreendimentos via mensagens eletrônicas.

A vida moderna amparada pela tecnologia é intrínseca a vida humana; ao cotidiano do comércio e a rotina das pessoas, em suas necessidades primárias, como transporte, comunicação dentre outras, propiciando uma melhor comodidade e qualidade de vida.

Em face desta nova era disruptiva, onde o papel é substituído por mensagens eletrônicas, nos atos da vida civil, indaga-se: o histórico de conversas realizadas no referido aplicativo, pode servir como prova para a cobrança de dívidas?

De início, em sede de apreciação de prova pelo Judiciário, vigora o princípio da livre persuasão racional ou da livre convicção motivada (artigo 371 do Código de Processo Civil), vale dizer, não há uma escala de valor probatório, cabendo ao juiz, no caso concreto, extrair dos elementos de prova à força que reputar existente, sempre justificando sua decisão.

Por outro lado, sobre as provas oriundas de meio eletrônico, o Código Civil de 2002, em seu artigo 225, preceitua que:

 

“As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão” (original sem grifos).

 

Sob esta nova perspectiva digital, o Código de Processo Civil, ao tratar sobre as provas admitidas no processo, possibilita expressamente o uso de documentos eletrônicos, condicionando, via de regra, a sua conversão na forma impressa:

 

“Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei”

“Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor”

“Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica”

 

Com esse mesmo raciocínio é o artigo 369 do Código de Processo Civil de 2015:

 

As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (grifos nossos).

 

Levando em consideração estes aspectos, a justiça brasileira não veda a utilização de documentos eletrônicos como meio de prova.

Contudo, quanto à sua força probante, o maior questionamento está adstrito ao campo da veracidade e da autenticidade das informações.

Em outras palavras, consiste em saber se uma “conversa eletrônica” pertence às partes da demanda judicial, bem como se o seu conteúdo não foi alterado durante o tráfego das informações.

Neste contexto, os populares “prints” são destituídos de autenticidade (precários), por não apresentarem a cadeia de custódia da prova [1].

Entretanto, há mecanismos capazes de garantir a segurança e a confiabilidade da correspondência eletrônica e a identidade do emissor, permitindo a trocas de mensagens criptografadas entre os usuários.

Para fins de conferir maior idoneidade a essas “provas tecnológicas” ao processo, pode-se encaminhar o aparelho celular a um cartório e solicitar a elaboração de uma ata notarial (artigo 384 CPC), porquanto se trata de transcrição fidedigna da conversa, devidamente registrada em cartório e respaldada pelo tabelião, dotado de fé pública.

Caso contrário, é recomendável não apagar a mensagem do celular, pois em caso de impugnação pela parte contrária, o aparelho poderá ser periciado, confirmando a autenticidade da mensagem.

O aplicativo oferece ao usuário a opção “exportar a conversa” podendo o interessado juntar o “print”, bem como, esse diálogo exportado no processo.

Vale ressaltar que neste arquivo gerado pelo software, frisa-se, a partir da exportação, fica registrado as datas e horas exatas das mensagens enviadas e recebidas, cujos subsídios são de fundamental importância para a construção da narrativa dos fatos da inicial.

O problema se apresenta na hipótese de gravação de áudios de conversas por meio do aplicativo, sendo, necessário, fazer aqui a distinção entre a gravação da conversa com interceptação telefônica, sendo que esta última necessita de autorização judicial, porquanto a conversa captada é feita por terceira pessoa estranha à conversa.

Assim sendo, a gravação efetuada pelo próprio interlocutor da conversa, sem o conhecimento do outro, constitui prova lícita [2].

Diante destes fundamentos, fica evidente que os citados “prints” podem fundamentar a cobrança judicial de dívida, desde que o juízo se convença da verossimilhança das alegações e da idoneidade das declarações, e, por óbvio, submetida ao contraditório, podendo o réu impugnar a sua veracidade, nos termos do artigo 430 e seguintes do CPC.

O exame sobre a validade, ou não, da mensagem eletrônica deverá ser aferida no caso concreto, juntamente com os demais elementos de prova trazidos pela parte autora.

De acordo com os argumentos apresentados, forçoso reconhecer a “prova escrita” como todo e qualquer documento que autorize o juiz a entender que há direito à cobrança de determinada dívida, muito embora, eletrônica e produzida de forma unilateral pelo autor, como é o caso da transcrição de textos ou áudios realizados no famigerado aplicativo.

Neste compasso, não há a necessidade de ser robusta e estreme de dúvida, desde que haja verossimilhança das alegações e idoneidade das declarações, conforme a casuística.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).

 

Notas:

[1] Trata-se de um conceito emprestado do Código de Processo Penal, em seu artigo 158-A: “Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”. Adaptando-se a temática, a custódia da prova é aquela que possibilita a preservação do seu vestígio, no aplicativo ou computador, e, portanto, passível de ser recuperada para fins de prova em processo.

[2] “A gravação feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, nada tem de ilicitude, principalmente quando destinada a documentá-la em caso de negativa” (E. Supremo Tribunal Federal. RE 402035 – Rela. Min. Ellen Gracie – RT 826/524).

*Este é um artigo informativo e não substitui uma consulta com advogado(a) da sua confiança.

Compartilhar: