Morada adentro

Morada adentro

Venho pensando no apelo: “fique em casa”. Revela-dor do que estamos vivenciando, como imperativo, restringe e retira a maior das liberdades: a escolha. Por seu turno, lança, quase como uma lupa que amplifica o campo de visão, mas que, ao mesmo tempo, um facho de intensa luz que, ao invés de permitir enxergar, pelo contrário, faz cegar. 

O desejo de ficar em casa, quando substituído por uma ordem, restritiva das vontades, é revela-dor de um horror ao se deparar com a casa de dentro que, sabe-se lá por quanto tempo, precisará, sem escolha, habitar. Um campo árido, um terreno perigoso - será insalubre, hostil, inóspito, tal qual um deserto? -, não se tendo notícias da magnitude a que os sismos, internos e turbulentos, em sua movimentação interior, poderão chegar, mas que será necessário sustentar. É tolerar ou afundar! E, para tal, muitos são os caminhos, restando a cada um desbravar o seu, em sua casa interna. Diz-se que  James Joyce, certa vez, acorreu a Jung de maneira aflita. Reconhecia-se perplexo diante da incompreensão a respeito das dificuldades de sua filha, alegando que os escritos seus e dela seriam iguais, incentivando-a, pois, a escrever e não admitindo que ela pudesse ter seu contato com a realidade rompido. Ao que Jung lhe teria retorquido: “Mas onde você nada, ela se afoga.”. 

Os recursos, pois, não são os mesmos. A uma casa, pode-se faltar um alicerce e uma fronteira delimitadora solo-casa, que deverá ser ainda constituído para alguns. Para outros, talvez duvidar da fundação que sustenta uma casa inteira seja, dos perigos, o maior. Mas, como diria Holderlin, filósofo alemão, "Lá onde está o perigo, cresce também o que salva.”. Se será uma morada onde se abrigar dependerá também da qualidade do olhar que se poderá lançar a ela, e dependerá, ainda, na voz de Mia Couto, de “[...] onde em mim a casa mora.”. Mas quando a casa encontra guarida e morada, isso sim acolhe-a-dor.

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