Morro um pouco também

Morro um pouco também

Tenho me lembrado deste texto com frequência. A cada notícia da morte dos muitos e grandes que me povoam e por isso me constituem, fazem parte de quem sou. A morte destes mais que me comove. Mata-me um pouco também. É também a morte de parte do meu mundo, que morre antes de mim. E, assim, morro um pouco também.

Morro um pouco também - ou até desejo morrer - diante da falta de indignação perante tantas mortes, numeradas a se perder de vista mais uma vez na história, como se nada fossem. Se pudesse, obviamente desenterraria os mortos! Até com as próprias mãos, se possível fosse! Como gostaria de trazê-los de volta à vida! Em seguida, penso: trazer de volta a que vida, em que mundo?

Minha tristeza maior diz respeito ao sentimento de se ter enterrado o que necessitaria estar mais vivo: o humano entre e dentro de nós. “Embora quem quase morreu ainda vive”, quem enterra os vivos e os incita à morte, ao menos para mim, já morreu! E em vida! Gosto de pensar como Winnicott, que desejava estar bem vivo quando morresse.

E fico aqui pensando o que haveria de mais potente para se fazer frente ao que estamos vivendo. E concluo que só sendo subversivo. Tem que ser subversivo para continuar vivo! Pensar é subversivo! Viver - neste momento, nestas condições, neste mundo, em meio a tanto discurso morto com o qual se busca enterrar o que e quem está vivo -, também o é! Então, pegando de Belchior a ideia como empréstimo, ontem eu morri, mas hoje eu não morro. Bom, prometo, ao menos, tentar.

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Segue texto referido: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/18/opinion/1408367710_653831.html?fbclid=IwAR3NXYukw_A2qjxkdPVluluzfw7UL_UhjOoMcnXlF0PSHIBfS37apapTPvc

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