Retornar-se

Retornar-se

“E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso [...]” (Caetano).
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E não é o que vivemos quando, logo agora, recomeçamos? Que nem mais conhecemos! Não podendo falar em volta... Pois que o que se apresenta é novo. Outro, portanto.

Imaginar regresso seria iludir-nos com promessas vãs que nada mais fazem que encobrir os vazios que nos habitam. Pois que somos esburacados. É da realidade. Sempre, seres faltantes que somos. E o que se (ir)rompe já não mais é. Mas, a partir da fenda, funda-se o que já-é a partir do que se foi. Restando a ferida, a marca, a cicatriz anunciando o que vem. Um renascimento que também é morte. Separando e partindo em dois. Início e fim. O que antes, supostamente, completava-se imaginariamente em uma unidade. E já então não seríamos os mesmos. 

Mas podemos ser outros. Mesmo avessos. Como um bordado. Pois que no verso também há desenho. Em fios emaranhados, tal qual um esboço mal alinhavado. Mas que costura cada ponto, à linha dando novo traço. E o arremata. Avesso até mesmo ao direito. - Será ao acerto? - Rearticulando-se em suas bordas. A que as agulhas se destinam. Como uma costura que contém, desenha, margeia... Delineando fronteiras. Construindo, pois, um litoral. Aquele ponto em que areia/terra/pedra e o mar, enfim, encontram-se. Colidem-se. E se tocam. Co(n)-fundindo-se. Adentrando-se. 
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Para marcar a “volta” ao presencial. Que demanda de cada pessoa um retornar-se, um voltar a si, reencontrar-se. Tornar-se outro. E retornar-se outro de si mesmo.

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