A Reprodução Humana em tempos de Zika

A Reprodução Humana em tempos de Zika

Pediram-me incessantemente que escrevesse sobre o Zika. Pensei: “Escrever o quê, se ninguém sabe o que fazer com essa tal nova doença?”. Pois bem, mudei de ideia.

Primeiramente vamos contextualizar a questão. O Zika já existe há muitos anos e tem registros de 1947!!! Não é uma doença nova, mas como acometia alguns pobres coitados na África, nunca ninguém deu muita atenção. Acontece que a doença é uma virose e vivemos hoje uma situação complicada em relação aos vírus, uma vez que não temos tratamento eficaz contra a maioria deles. Pense na gripe. Existem vacinas, tratamento paliativo, mas acabar com vírus, isso ainda ninguém conseguiu. Pense no HIV. Os maiores centros de pesquisa do mundo buscam uma vacina ou um tratamento que possa nos livrar desta maldição e até agora nada.

Então é nesse contexto que vem o Zika. Trata-se de um vírus do qual temos pouquíssima informação. Sabemos que é transmitido pelo mesmo mosquito que sarcasticamente transmite também a dengue e a chikungunya. Sabemos também que a dengue é provavelmente mais grave do que ele em termos gerais, porque tem maior potencial de matar. Acontece que há uma relação bastante evidente entre infecção pelo zika durante a gestação e microcefalia em recém-nascidos e isso tem causado uma verdadeira histeria na população de grávidas e de mulheres que desejam engravidar.

E eu, que não sou infectologista, de repente me vi tendo que estudar profundamente o assunto. Na verdade, nem deu para me aprofundar muito porque ninguém sabe muito. E talvez por isso tem sido difícil orientar pacientes...

Vamos começar pelos repelentes: se você está grávida ou tentando engravidar, use um repelente em creme antes de colocar a roupa. Depois de se vestir, espirre o repelente em spray sobre a pele e a roupa. Tente utilizar roupas que cubram ao máximo o corpo e procure repelentes com icaridina, que é o mais recomendado, reaplicando-o, no mínimo, mais uma vez ao dia. Talvez exista uma toxicidade intrínseca desse uso abusivo de repelentes, mas até agora nos parece melhor evitar picadas a qualquer custo. Também oriento que as pessoas fechem os ambientes e tentem utilizar o ar condicionado, pois a baixa temperatura parece reduzir o metabolismo dos mosquitos e isso reduziria a chance de picadas. Na minha casa, além de fechar as janelas, utilizamos TODOS os meios de se reduzir o risco de picadas, mesmo aqueles que têm evidência científica baixa. Não importa: vamos desde homeopatia repelente, velas de citronela, água sanitária nos ralos, até, lógico, a procura por eventuais focos, principalmente após as chuvas.

Adiar a maternidade é outra questão importante de ser discutida. Tenho orientado as pacientes a adiarem SIM a maternidade se possível, pois há a perspectiva de se ter uma vacina nos próximos anos. Mas, infelizmente não sabemos ainda quanto tempo vamos precisar aguardar até que tenhamos algo realmente eficaz. Então, se você tem 20 anos, adie sim a maternidade. Agora, se tem mais de 35 anos, a coisa complica. O que fazer? Devo adiar a maternidade com risco de reduzir consideravelmente minhas chances ou devo assumir o risco de ser picada? Terei serenidade em ser uma gestante hoje?

O que temos feito em nosso Centro de Reprodução é orientar as pacientes a realizar a captação e a fertilização dos óvulos agora com transferência a partir de maio. Trata-se de uma alternativa para que não pode ou não quer adiar. Realizamos o tratamento em qualquer hora, mas transferimos os embriões preferencialmente a partir de maio. Ora, por quê maio? Porque acreditamos que a incidência de casos caia bastante a partir de maio e principalmente no inverno. E como nos parece que devemos nos preocupar mais ainda no período da gravidez que vai até 12 semanas, se não podemos adiar, que tentemos realizar a gravidez a partir de maio. Só não cometa o erro de adiar para o final do ano, pois tememos que a incidência aumente ainda mais no próximo verão.

Para as pacientes que estão com zika ou que tiveram zika, não sabemos quando você estará liberada para engravidar, pois não sabemos se existem partículas virais que podem permanecer na corrente sanguínea e causar dano no concepto. O mesmo ocorre com os anticorpos que são produzidos. É provável que as pacientes sejam liberadas para engravidar alguns meses após a infecção, mas ainda não temos segurança de determinar esse tempo.

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