O bom ócio

O bom ócio

Costumamos acreditar que, quanto mais velhos ficamos, mais tempo temos para o ócio. É o desejo de muita gente se estabilizar na carreira, um dia aposentar, e, então, ter tempo livre para não se ocupar com preocupações ou atividades durante todos os dias.

Passei a refletir sobre a ociosidade de nosso espírito ao ouvir um podcast do Clóvis de Barros Filho que aborda o filósofo Michel de Montaigne e sua explanação sobre a ociosidade — o capítulo oito de seus ensaios.

Segundo Clóvis, em tempo de maturidade avançada, pensamos em deixar o espírito caminhar como quiser, vaguear, observando o que bem entender. Parece um cenário ideal de descanso e apenas contemplação, contudo, para Montaigne, o caminho deve ser oposto. De acordo com o filósofo, não há nada pior para o espírito do que essa suposta liberdade, pois, se deixado à solta, poderá trazer desagradáveis experiências.

Montaigne compara o espírito solto a um terreno baldio, com ervas daninhas tomando conta. Para ele, é fundamental que tenhamos sempre alguma atividade que ocupe a mente, não trazendo, assim, pequenas dores, afinal, para onde vai o espírito quando à solta? Ele pode rumar ao passado, trazendo nostalgia ou ressentimentos, ou pode se direcionar ao futuro, antecipando dificuldades ou felicidades, fazendo com que criemos expectativas nem sempre correspondidas.

Para a filosofia, o verdadeiro ócio é o tempo de estudo, para tornar o espírito fértil, o que acredito profundamente ser necessário, especialmente nos tempos atuais.

Estarmos afastados uns dos outros em razão da pandemia e as próprias más notícias do período pode nos levar à improdutiva ociosidade de Montaigne, trazendo ansiedades e dores que intensificam as dificuldades atuais. Tenho convicção de que podemos usar os períodos em que estamos inativos para a ociosidade filosófica, e enriquecer a mente com novos conteúdos, interesses e possibilidades, para que possamos aproveitar melhor o tempo evoluindo como seres pensantes. Livros músicas, filmes, novos aprendizados. Tudo isso pode nos deixar mais preparados para o futuro — e melhor nos fazer vivenciar o presente.

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