O filme que já vimos

O filme que já vimos

Me lembro como se fosse hoje das primeiras entrevistas coletivas do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em fevereiro de 2020. Àquela época, tiveram início os balanços diários sobre a Covid-19 no Brasil. Nas primeiras entrevistas, Mandetta dizia que ainda não havia casos da doença no país, o que dava certo alívio. Naquele momento, até podíamos vislumbrar a possibilidade de nos sairmos bem na pandemia. Com um sistema de saúde experiente em largas campanhas de vacinação e diante de medidas, aparentemente, precavidas e precoces, dava para ter esperança.

Passaram-se dias, semanas, meses. Chegamos a um ano de pandemia no Brasil como uma das nações mais desorganizadas e desobedientes. Aquele início de precaução se transformou em ingerência e falta de credibilidade, estimuladas por discursos negacionistas e fake news. Vivemos, hoje, a iminência de uma terceira onda da doença, com a situação bem ilustrada em Ribeirão Preto.

Nesta semana, vários hospitais da cidade, incluindo o Hospital das Clínicas da USP, chegaram a 100% de ocupação dos leitos destinados a pacientes com Covid-19. No mesmo momento, considerando apenas o contexto geral do Estado, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou a prorrogação da Fase de Transição do Plano SP, que prevê regras flexíveis para a retomada das atividades. Não sinalizou, ainda, restrições maiores procurando evitar um novo colapso.

É certo que se o governo federal não faz sua parte, insistindo em discursos que promovem a instabilidade e desestimulando o isolamento social, o mínimo que poderíamos esperar seria um trabalho de comunicação mais organizado no sentido de explicar que, sem os cuidados necessários, ficaremos no vai e vem de medidas restritivas.

Há muita dificuldade em encontrar um discurso assertivo dos governantes. Admiramos tanto a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, pela condução segura do combate à pandemia no país, e somos incapazes de identificar no Brasil uma postura semelhante que, de fato, promova resultados e que não se transforme em idas e vindas, gerando instabilidade e incerteza.

Fato é que se as autoridades brasileiras não encontram um discurso em uníssono, os cidadãos muito menos. Estamos todos cansados das medidas de isolamento, mas, quando há o afrouxamento dessas restrições, saímos às ruas como se não houvesse amanhã. Há, claro, as necessidades primordiais, especialmente daqueles que não conseguem trabalhar remotamente e precisam manter os empregos, mas tanto poderia ser adiado.

De nosso país, infelizmente, onde falta a segunda dose da vacina contra a Covid-19 e muitos que tiveram a chance não foram tomá-la, assistimos ao mundo voltar ao normal, sem a certeza de quando isso será uma realidade para nós.

Compartilhar: