Resgate de Injustiças

Resgate de Injustiças

Sempre achei que as ações afirmativas em forma de medidas políticas para acabar ou minimizar a exclusão social, cultural e econômica de pessoas que pertencem a grupos que sofrem qualquer tipo de discriminação foram uma necessidade do país para se reconciliar consigo mesmo. Uma espécie de mea-culpa por uma história marcada pela escravização e por um preconceito por vezes velado.

A política que deveria cuidar das diásporas da sociedade, que deveria mediar o conflito, está hoje deturpada no que tem de melhor e provoca intensas fissuras no país. As cotas, por exemplo, sempre foram mal compreendidas, afinal muitos pensam que o Estado brasileiro estava sendo permissivo demais com alguns extratos da sociedade.

Na verdade, por meio dessas ações, o Brasil busca se reconciliar com aqueles que tiveram, em sua história, familiares que foram tratados de maneira cruel e desumana. As vidas dos seus antepassados foram marcadas por uma enorme falta de oportunidade e de muita negligência do Estado brasileiro — o mesmo Estado que tem como premissa básica prover os mais pobres.
Pensando sobre isso e voltando a discorrer sobre o mundo das artes, recentemente a França, mais uma vez, deu uma lição de civilidade ao mundo, quando abriu uma exposição em que tenta resgatar a história dos negros. Essa exposição se debruçou sobre a representação visual dos negros na história da pintura ocidental, mostrando de que maneira eles foram retratados na história da arte.

A exposição “Le modèle noir: de Géricault à Matisse”, que está no Museu D’Orsay, apresenta cerca de 300 obras que mostram a contribuição dos negros na história da arte do século XVIII ao XX.

O que mais chama a atenção é a tentativa de prover uma identidade aos negros retratados nos quadros. Quem conhece a obra Olympia, de Édouard Manet, sabe do grande escândalo da época — uma cortesã nua esparramada no divã, cobrindo o sexo e desafiando o espectador com o olhar, enquanto, ao fundo, uma empregada traz um buquê de flores. 

A imagem da prostituta feriu a moral e os bons costumes da época e pouco se falou sobre a doméstica negra que ocupa até um lugar importante na composição da obra do pintor francês.
A exposição dá uma identidade a essa mulher, que se chama Laure. A curadora da mostra fez um trabalho de pesquisa para descobrir quem eram essas pessoas.

No mínimo, essa mostra apresenta um novo olhar sobre um assunto ignorado por quase quatro séculos. Ela indica, também, que sempre há tempo para retomar o passado e, a partir dele, refletir sobre o presente e o futuro, recalculando caminhos que podem ser traçados.

Parece que sempre há um tempo para colocar as coisas em seus devidos lugares. Quem sabe o Brasil consiga, também, resgatar a história dos negros que ajudaram a construir nosso país, numa ação afirmativa e definitiva. 

Imagem: Olympia, de Édouard Manet

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