Autismo: Um olhar através do espectro.

Autismo: Um olhar através do espectro.

DAIANA CARVALHO

      Em 1911, o psiquiatra Eugen Bleuler, cunhou o termo “autista” para os momentos de suspensão de realidade e imersão no ‘mundo interior’, observados em seus pacientes esquizofrênicos (ALBUQUERQUE, 2020). Do grego, ‘autós’, que significa “em si mesmo”, o termo autismo voltou a ser utilizado posteriormente por Leo Kanner, no ano de 1943, na especificação de um distúrbio único, notados em crianças, das quais, ápices de egresso da realidade ocorriam. No ano seguinte, em 1944, o psiquiatra Hans Asperger, cunha o termo “pequenos professores”, dado para crianças diagnosticadas com o que ele chamou de Psicopatia Autista, que entre outras particularidades, tinham uma característica marcante, eram capazes de discorrer longamente sobre um assunto específico de seu interesse.

      Nos anos seguintes, muitas possibilidades sobre a causa desse quadro foram propostas. As crianças eram descritas tendo relações sociais e afetivas atípicas, o isolamento social e as desordens no desenvolvimento funcional da linguagem (AC Marfinati, JLF Abrão, 2014). Foi dito, por meio da teoria psicogênica, que o autismo, tinha seu início a partir do nascimento, com a correlação das características autistas e a existência de relações familiares frias, principalmente, na falta de disposição fraterna da mãe (BARON-COHEN, 1993). Essa relação lacônica, portanto, influenciaria o comportamento e o desenvolvimento da criança e criaria barreiras na construção de suas propriedades afetivas e sociais. Essa teoria foi refutada, e, na década de 80, a partir de estudos genéticos, foi fundamentada a teoria do fundamento hereditário na predisposição ao autismo (BARON-COHEN, 1993).

       Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) (American Psychiatric Association, 2014), descreve o Autismo como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Seu diagnóstico é necessariamente clínico e comportamental, a partir da observação de especialistas, e, seus critérios de análise não diferem muito dos que foram observados por Kanner, há quase 80 anos.

       O DSM-V (2014), refere-se ao TEA como um Transtorno do Neurodesenvolvimento, caracterizado pelas dificuldades de comunicação e interação social e também os comportamentos restritos e repetitivos. O (DSM-V), também engloba o antes utilizado termo Síndrome de Asperger (AS), como uma subcategoria no qual o sujeito tem habilidades funcionais e também altas habilidades. Há também, segundo o documento, a classificação de nível de suporte, sendo esses níveis 1, 2 e 3.  Tais mudanças direcionam para uma visão mais abrangente do transtorno e de suas individualidades.

       Considerando o período de 1990 até 2016, foi estimado que 62,1 milhões de pessoas no mundo têm o Transtorno do Espectro do Autismo (Evangelho et al., 2021). Pode-se observar um crescente na prevalência dos casos, segundo Almeida (2020), a última estimativa do Autism and Developmental Disabilities Monitoring (ADDM), apontou a existência de uma criança com o espectro para cada 68 crianças, o que condiz com uma prevalência mundial de 1, 47%. As projeções de prevalência também destacam aumento considerável, como descrito por Fombonne (2009). Como podemos justificar essa incidência? Será causada pela popularização da condição? Ou então, pelo aumento de profissionais que realizam o diagnóstico?

     Almeida (2020), conclui que o diagnóstico clínico não é capaz de justificar sozinho a popularização do TEA, e, salienta a importância do social. Há uma interligação, portanto, entre a prevalência de diagnósticos e as novas possibilidades de classificação e também de observação, considerando a demanda espontânea, ou seja, os próprios familiares, por conta da popularização e também da grande oferta de informações (nem sempre confiáveis, vale lembrar) presentes na internet, acabam por notar em suas crianças comportamentos atípicos e com maior frequência leva-los ao ambiente clínico. Um fator importante é que a prevalência do TEA, modificou políticas públicas com mudanças que percorrem desde o direito ao atendimento prioritário em serviços públicos e privados como também a inclusão educacional.  

      No entanto, podemos considerar uma problemática, com a possibilidade da normalização do transtorno. Podemos apontar a distinção entre a normalização e inclusão do indivíduo com TEA, sendo a normalização o comum uso do termo sendo esse direcionado ou não com uma pessoa com o diagnóstico, sendo este usado para que se justifiquem problemas comportamentais e/ou intelectuais em que não foram feitas devidas notas clínicas por especialistas de qualidade e a inclusão, a pretendida atuação integral do mesmo sujeito na sociedade, considerando suas particularidades e o encaminhando para uma direção rumo à autonomia.

      Tal qual o significado literal da palavra ‘espectro’, o indivíduo com TEA, não deve ser observado por um único prisma, seja esse qual for. O TEA não deve ser considerado como um transtorno sem variações, que pode ser encaixotado e também facilmente tipificado, mas sim, uma condição extensa, complexa e multifatorial, que para o melhor prognóstico possível, deve ser individual e adequadamente observada, a fim de que as competências de cada indivíduo estejam visualizadas e conduzidas, e, sua inclusão, seja firmada de maneira concreta na sociedade em que ele pertence.

 

REFERÊNCIAS

Tamanaha, A. C., Perissinoto, J., & Chiari, B. M. Uma breve revisão histórica sobre a construção dos conceitos do Autismo Infantil e da síndrome de Asperger, 2008

Marfinati, A. C., & Abrão, J. L. F. (2014). Um percurso pela psiquiatria infantil: dos antecedentes históricos à origem do conceito de autismo. Estilos da clínica, 19(2), 244-262.

Evangelho, Victor Gustavo Oliveira et al. Autismo no Brasil: uma revisão sobre estudos em neurogenética. Revista Neurociências, v. 29, p. 1-20, 2021.

Baron-Cohen, Simon; Bolton, Patrick. Autismo. Una guía para padres. Madrid: Alianza Editorial, 1993.

Almeida, M. L., & Neves, A. S. (2020). A Popularização Diagnóstica do Autismo: uma Falsa Epidemia?. Psicologia: Ciência e Profissão 2020 v. 40, e180896, 1-12

Girianelli VR, Tomazelli J, Silva CMFP, Fernandes CS. Diagnóstico precoce do autismo e outros transtornos do desenvolvimento, Brasil, 2013–2019.

 

 

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