BREAKING BAD E OS SEGREDOS DE FAMÍLIA

BREAKING BAD E OS SEGREDOS DE FAMÍLIA

Ma. Dayana Coelho

Profa. Dra. Elaine Assolini

Breaking Bad (2008-2013) é uma série com cinco temporadas, criada e produzida por Vince Guilligan e exibida originalmente pelo canal AMC, dos Estados Unidos da América (EUA). A trama da série diz respeito a história de um professor de química do ensino médio nos EUA, chamado Walter White. Ele vive com sua esposa Skyler[1], que está gestante, e o filho adolescente do casal, Walter White Júnior, que possui deficiência física.

Já no primeiro episódio, Walter recebe o diagnóstico de câncer no pulmão, com prognóstico de dois anos de vida. A fim de pagar seu tratamento[2], Walter começa a fabricar metanfetamina, junto com seu ex-aluno Jess, inserindo-se em uma trama de criminalidade e mentiras.

Neste artigo pretendemos analisar o sexto episódio da primeira temporada da referida série que tem o título “O Grande Blefe” (ou, em inglês, “Crazy Handful of Nothin”). O episódio nos remeteu às questões envolvendo segredos de família, como apresentaremos a seguir. Escolhemos uma cena (de 7:05min a 9:35 minutos) em que Walter e sua família encontram-se em um grupo de apoio para pessoas em tratamento de câncer. Walter White é questionado por Skyler e Walter Júnior sobre o que faz nas frequentes ausências da casa. A seguir, o trecho de uma fala de Walter (traduzido para o português pela distribuidora Netflix).

 

Gosto de ficar sozinho às vezes. Não tem nada a ver com vocês. De verdade. É só que às vezes é melhor... não falar... sobre nada... com ninguém. [...] Bem... gosto de caminhar... umas duas vezes por semana, talvez mais, depois do trabalho. Gosto muito da natureza. Sabe, cactos... vegetação, esse tipo de coisa. É muito terapêutico (CRAZY…, 2008).

No trecho apresentado, Walter White, em sua fala, assume que tem um segredo – “[...] às vezes é melhor... não falar” –, após uma intervenção da terapeuta em que ele é convocado a dizer aonde costuma frequentar quando está sozinho. O protagonista oferece a descrição exata de onde fica, no deserto, mas oculta que, nesses momentos, fabrica metanfetamina. No entanto, ele oferece uma pista do local onde efetua o ato ilícito.

Tendo isso em vista, retomanos o pensamento da psicanalista Miriam Debieux Rosa (2009) que estudou sobre segredos de família em sua tese de doutorado. Ela sistematizou as várias facetas do que entendemos por não-dito, a saber: ditos possíveis (o mal-entendido; mal‑dito); ditos impossíveis (o indizível e o desejo; o impensável e o sagrado); por fim, os não-ditos “voluntários” (o implícito; as regras sociais e mitos; o segredo). Para nossa análise interessa-nos o não-dito voluntário, entendido como segredo. Rosa (2009) compreende que os segredos familiares são histórias não verbalizadas voluntariamente por razões morais. Porém, são insistentes e intrigam os membros da família, visto que deixam vestígios e pistas que indicam que há algo sendo escondido. Os envolvidos podem utilizar-se da ilusão a fim de conservar os segredos, que são mantidos nessa condição por poderem causar dor ou mesmo com o objetivo de manter o pertencimento ao grupo. É possível que esse algo sem expressão pela palavra seja expresso por automatismos ou suposições que podem causar mais danos do que a própria dor que o segredo colocado em palavras causaria.

“O interessante é não tanto o conteúdo do que não é dito, mas a intricada relação que mantém o silêncio” (ROSA, 2009, p. 51). No caso do segredo de Walter White, em Breaking Bad, identificamos que, no decorrer da série, o segredo é mantido por mentiras que apresentam sinais e pistas da verdade. No desenvolvimento da história, as personagens vão apresentando insights sobre a verdade a partir das pistas e conforme vão se libertando dos motivos que lhes fazem manter um pacto sobre o segredo. Assim, notamos um desvelamento da verdade com empolgantes repercussões. A trama nos faz refletir sobre os segredos de família e suas repercussões na escuta de crianças e adolescentes, notamos os efeitos maléficos que segredos familiares podem acarretar à saúde mental de um sujeito.

Breaking Bad nos oferece uma incrível vivência estética, mas também nos faz atentar para a importância de que as palavras e suas verdades possam circular nas famílias, naturalmente respeitando o tempo e a curiosidade de cada sujeito envolvido.

 

Referências

 

CRAZY Handful of Nothin’ (Temporada 1, ep. 6). Breaking Bad (Seriado). Direção: Bronwen Hughes. Produção: Stewart A. Lyons, Sam Catlin, John Shiban, Peter Gould, George Mastras, Thomas Schnauz, Bryan Cranston, Moira Walley-Beckett, Karen Moore, Patty Lin. Albuquerque, Novo México: AMC, 2008. Disponível em:

<https://www.netflix.com/watch/70196257?trackId=13752289&tctx=0%2C5%2Cd53faf37-8b5d-486b-b2a4-8b26baec545e-74662455%2C%2C>. Acesso em: 29 maio 2019.

 

ROSA, M. D. Histórias que não se contam: o não-dito na psicanálise com crianças e adolescentes. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009.

 


[1] Curiosidade: atentem-se aos nomes das personagens e colorações de suas respectivas vestimentas.

[2] É válido lembrarmos que nos EUA não existe um sistema de saúde universal, a exemplo do nosso Sistema Único de Saúde (SUS).

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