Relação entre letramento e violência

Relação entre letramento e violência

Fabiana de Oliveira Ribeiro

 

A agressividade sempre foi algo presente na nossa cultura e motivo de mal-estar, especialmente pelas surpreendentes formas de violência que gera. Nos últimos dias, aqui no Brasil, temos sido bombardeados, mais frequentemente com a violência escolar, que mesmo sendo, infelizmente, comum, tem tomado proporções ainda inéditas em nossa sociedade. Falamos das ameaças e dos massacres que vêm ocorrendo com certa frequência, nas escolas, deixando, inclusive, vítimas fatais.

Quando falamos de violências desta intensidade, é claro que estamos falando de uma perversão muito semelhante à psicopatia, pois o fato, de alguém se identificar com o anti-herói mortífero, que busca o reconhecimento que não soube ou teve oportunidades de conquistar por outros meios, demonstra isso. A psicopatia tem causas profundas que, a grosso modo, podem ser sintetizadas na dificuldade de superar as feridas narcísicas que nós humanos passamos ao longo do nosso desenvolvimento, como, por exemplo, a ampliação de nosso cosmos, desde o eu envolto pelo corpo materno, passando pela família, nossa primeira referência de sociedade. Vindo após isso a escola e finalmente a vida adulta, na qual estaremos inseridos em diversas estruturas sociais. Diante disso, um estofo moral afetivo adquirido desde as primeiras experiências, formam o caráter e dão condições favoráveis para os desafios sequentes, no entanto, quando eles não existem, se há algum déficit de afeto devido a alguma falha nesse percurso de nossa formação, ocasionando até traumas, o caminho fica aberto à sociopatia e ações de vingança que finalmente trarão algum reconhecimento que falte (HOMEM, 2023).

Contudo, apesar da psicopatia ser um assunto de profunda importância no contexto escolar, gostaria de tratar aqui de outro tipo de violência que, por ser mais sutil, não causa tanta estranheza na sociedade e nem mesmo dentro da escola, embora seja o ambiente onde ela ocorra: o não reconhecimento dos letramentos dos alunos, isso mesmo! Letramentos no plural!

Embora seja uma visão ultrapassada, ainda é possível vermos nas escolas o valor dado à codificação/decodificação da língua materna como se isso bastasse ao processo de letramento. Diante disso, metodologias voltadas à repetição e memorização encontram-se entre as mais praticadas, uma vez que “o discurso pedagógico escolar, DPE, apresenta marcas que o caracterizam como discurso autoritário” (TFOUNI; TONET; ADORNI; 2011, p. 430). Mesmo sabendo não haver um tipo puro de discurso, o discurso autoritário convive entre os demais discursos escolares e, em muitos casos, sobrepõe-se a eles. Exemplo disso é a confusão feita com os termos alfabetização x letramento, mesmo após tantos estudos.

Enquanto a alfabetização é apenas o domínio do código escrito o letramento é mais amplo, na palavra dos autores supracitados:

o letramento é um fenômeno de cunho social que se ocupa das características sócio-históricas ligadas à aquisição generalizada de um sistema de escrita por uma sociedade. Tfouni propõe que não existem iletrados em uma sociedade letrada, visto que todos que nela vivem, alfabetizados ou não, possuem certo grau de conhecimento sobre a escrita e de domínio das práticas letradas. (TFOUNI; TONET; ADORNI; 2011, p. 432)

Sendo assim, quando a escola não reconhece que cada aluno entra pelos seus portões trazendo consigo seus graus de letramentos (destaco mais uma vez o plural), além de estar violentando a esses sujeitos, marginalizando-os, pois desconsidera as desigualdades sociais e também a distribuição desigual de conhecimento, além de dispensar variáveis tais como: alfabetização, escolarização e escolaridade (TFOUNI; TONET; ADORNI; 2011, p. 433), está, também, incitando a prática da violência desses sujeitos, uma vez que se sentirão excluídos, desinteressados, desvalorizados, o que é porta aberta para que a agressividade venha à tona em forma de bullying, agressões verbais e até físicas, vandalismo entre outras.

Dessa forma, seria sábio se as escolas, conscientes que devem combater à violência, abrissem “as cortinas das ilusões pedagógicas” (TFOUNI; TONET; ADORNI; 2011, p. 437), e não agredissem o saber que cada sujeito aluno tem da língua, mas o usasse para circular entre os demais tipos de letramento que eles ainda não tiveram oportunidades de experimentar. Devemos nos manter todos a salvo de qualquer tipo de violência, inclusive a pedagógica.

 

 

TFOUNI, Leda Verdiani; TONETO, Diana Junkes Martha; ADORNI, Alessandra. A  dimensão  político-pedagógica  da  ‘comunicação  sem  equívocos’  frente  aos desafios da escola para todos: novos lugares interpretativos para a prática docente. Linguagem e ensino, Pelotas, v. 14, n. 2, p. 427-453, jul./dez. 2011.

 

HOMEM, Maria. Violência nas escolas. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=S13YB9lgkY8> . acessado em 23 de abril de 2023.

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