SER PROFESSOR NA PANDEMIA
14 Jun 2020 10:50
Profa. Letícia Moraes
Profa. Dra. Elaine Assolini
“Será que sobreviverei a essa semana?” Esse é um pensamento constante dos professores em meio ao caos que estamos vivendo. Caos na economia, caos nos hospitais, pronto-socorros, bancos, lojas. E nas escolas? Quem parou para se perguntar como vão os professores?
De um dia para o outro, a realidade dos professores brasileiros mudou. Da Educação Infantil ao Ensino Superior… Fomos todos obrigados a abandonar a sala de aula, lousa e giz e começar a pensar em telas, vídeo-aulas e plataformas online…
Nosso principal recurso didático, o diálogo com olho no olho, de repente não existe mais e as frias telas passaram a ser nossa companhia, não somente durante as aulas, mas a todo momento! E-mails, reuniões, mensagens, atendimento a alunos, pais, escola, as solicitações chegam de todos os lados!
A jornada de trabalho, que já era extensa, triplicou. Gravar vídeo, editar vídeo, carregar vídeo, resolver problemas técnicos! Além da preocupação com a relação ensino-aprendizagem, temos que lidar com vários outros “detalhes cibernéticos”.
Mas tudo bem… “vamos superar”, pensa uma parte dos colegas de profissão, “essa é a nossa missão! Vamos aguentar firme!” Concordo! Vamos aguentar firme! Pelo nosso compromisso com a formação dos alunos, com seu desenvolvimento integral e direito à aprendizagem garantido pela Constituição (1988) e demais regimentos educacionais. A profissão professor carrega toda essa seriedade. E é por essa seriedade que aguentamos firme.
Nóvoa (1999), há tempos vem discutindo e nos mostrando como a profissão docente é carregada desses sentidos de “missão, dom, vocação”, sem que se perceba a grande desvalorização que criamos quando sustentamos esse tipo de imaginário.
Esse atravessamento do discurso religioso sobre o ato de educar cria e sustenta sentidos de que o professor sempre pode se abnegar, renunciar a seu lazer, por exemplo, para cumprir tal missão. Sendo assim, há de se pensar que não é necessária formação teórica, uma vez que, já nos teria sido dado por uma entidade divina um “talento natural” para ensinar.
Diante do cenário atual, percebemos que esse imaginário veio à tona, se (re)consolidando como um genérico discursivo (TFOUNI, 2004). Esse mecanismo linguístico-ideológico, reproduz sentidos socialmente legitimados e causa um apagamento do sujeito, uma vez que o próprio professor acreditando estar designado a uma missão, renuncia a outros aspectos de sua vida para viver e se entregar a profissão-missão. Defendemos que há esse apagamento, pois, o próprio professor não consegue identificar a existência de limites e limitações em sua profissão, assim como em várias outras.
Refletir sobre sua própria prática e discutir sobre esses limites e limitações é importante para a saúde psicológica dos docentes. Reconhecer que não há como controlar cada detalhe do processo pedagógico é uma tarefa difícil, porém extremamente necessária. Esses tempos de pandemia, pelos quais todos passamos, trazem à tona nossas limitações, que vêm sendo superadas graças à nossa dedicação, amor, cuidado com os nossos alunos, responsabilidade e desejo de fazer o melhor, enfim, nossa profissionalização.
Charlot (2008) afirma em um de seus artigos que o professor na sociedade contemporânea é um trabalhador da contradição, nem herói e nem vítima, o professor é antes de tudo um profissional! Profissional esse que utiliza diversas ferramentas científicas, teóricas e metodológicas consistentes que fundamentam e dão sentido à sua prática.
Pensar na profissionalização docente, tornou-se agora, ainda mais essencial e urgente. Por meio dessas palavras, convidamos nossos leitores à reflexão sobre a importância do trabalho docente, que, mais do que nunca deveria ser reconhecido.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988.
CHARLOT, B. O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição, Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 30, p. 17-31, jul./dez. 2008.
NÓVOA, A. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A. et al. (Orgs.). Profissão professor. Portugal: Porto Editora, 1999. p. 13-33.
TFOUNI, L. V. Letramento e Alfabetização. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2004.