Tecnodocência: palavra e conceito novos

Tecnodocência: palavra e conceito novos

Fabiana de Oliveira Ribeiro

 

 

O termo tecnodocência é um conceito novo, desenvolvido pelos professores Robson Carlos Loureiro e Luciana de Lima, da Universidade Federal do Ceará, no livro de mesmo nome, no qual discutem a integração entre tecnologias digitais da informação e comunicação e a docência, trazendo reflexões sobre as metodologias e didáticas do ensino, conciliadas aos usos das tecnologias contemporâneas, como uma proposta de novos caminhos fundamentados técnica e politicamente para a prática da profissão docente.

Tem sido uma séria preocupação entre os formadores docentes, formar os licenciandos em uma proposta metodológica interdisciplinar e que seja, simultaneamente, integrada às Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC). Porém, como fazer isso tem sido um desafio constante para as instituições e professores universitários, já que receitas prontas podem muitas vezes não dar certo, principalmente, numa sociedade tão dinâmica e instável como a atual. Contudo, partir do princípio que as tecnologias podem influenciar as transformações da docência parece ser uma solução bastante eficaz em plena era digital.

Sendo assim, de início, as tecnologias educacionais deveriam passar por transformações a partir das necessidades da docência, com a criação e desenvolvimento de novas estruturas digitais que ajudem no estabelecimento da ação do professor em sua prática pedagógica, sempre, é claro, com foco no desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo.

Em segundo lugar, a formação inicial do professor não se deve prestar à falta de equalização entre os discursos teóricos e práticos, pois, mesmo em uma sociedade em rede, ainda há instituições descomprometidas na formação de licenciandos para atuar na contemporaneidade e integrar TDIC e Docência. Isso acaba acontecendo, pois, de certa forma, a ótica da integração acaba sendo uma afronta à governamentalidade vigente que autoriza experiências educacionais “comportadas”, desde que não altere o paradigma de saber e poder, ou seja, uma relação cruel de segmentação social, de promoção de igualdades de condições fictícias e enganadoras, propagadas como humanizadoras, mas que retiram a compreensão da essência do homem.

Diante disso, há necessidade, também, de compreensão dos modelos mais tradicionais de educação que encaminham para uma falência incontestável e inevitável, tornando necessário o investimento em perspectivas que proponham uma visão de ação docente sobre o mundo, com foco na cooperação, na colaboração e no estabelecimento de relacionamentos interpessoais de resistência.

Além do mais, a cibercultura já se estrutura em um contexto social mais próximo da educação, sugerindo condições de chegar ao cidadão comum. Embora, a governamentalidade queira eleger o homo faber em destruição do homo sapiens e com a colaboração de muitos de nós professores, que travestimos as influências do biopoder em atitudes superficialmente didáticas, fundamentadas em toneladas de teorias inatingíveis. Porém, é preciso promover um ensino contextualizado e adequado às características dos alunos, com o uso do computador, apropriado pelos alunos e docentes como artefato para entrada no “mercado social”. Uma vez que, a aprendizagem é um processo de construção que trata de características e habilidades desenvolvidas pelo homem, à medida que interagimos e construímos novos conhecimentos. As habilidades de contornar conflitos e objeções que nascem do convívio, consolidam a força cooperativa.

Mesmo que, existam tendências disciplinadoras de nossas racionalidade e subjetividades, exercidos pelo biopoder sobre a instituição, o docente, os discentes, com interferência, disciplinamento e controle governamental, a construção do conhecimento, precisa ser pautada na integração e superação da fragmentação, com os saberes vinculados aos conceitos de interdisciplinaridade, transdiciplinaridade, multidisciplinaridade, multirreferencialidade, que é outra tendência emergente, que não trata nenhuma disciplina em si.

Dessa forma, docentes e discentes não podem mais ser reprodutores não críticos dos “conhecimentos”, trabalhando cada forma de saber de modo fragmentado e manipulado. É preciso um despertar, especialmente, dos docentes para reagir ao disciplinamento imposto pela governamentalidade dominante e passar por uma transformação ou mudança de paradigma que integre TDIC e docência com base epistemológica nos modelos interdisciplinares e transdisciplinares, utilizando conhecimentos prévios dos docentes e discentes, no desenvolvimento de uma reflexão crítica sobre os processos de ensino, aprendizagem e avaliação.

Referimo-nos à consolidação do papel de sujeito social do professor. Ser um tecnodocente é romper com a força modeladora imposta pela governamentalidade que, infelizmente, parece não ter interesse de que todos sejam inclusos na cibersociedade, pois paga os salários dos professores e define sua missão, conforme a sua ideologia. Todavia, o professor retém a obrigação de transformar racionalidades e a subjetividade do sujeito discente, devendo reagir à força contratual imposta por quem exerce o poder.

A formatação de sujeitos pelos dispositivos de disciplinamento, controle e domesticação visa garantir a mão de obra prática e irracional, para consolidação do modelo que se instala com o mínimo de resistência política possível. Desta forma, a reconstrução de outro caminho de integração que rompa as barreiras disciplinares, com respeito às diferenças e às conexões, baseadas em parâmetros horizontais é necessária.

Na “Tecnodocência, o conhecimento reconstrói-se de forma integrada, implicando a tecnologia à docência e, no que lhe concerne, a docência à tecnologia” (LOUREIRO, LIMA, 2018). Estamos falando de uma metodologia crítica, inquietante, que não segue as mesmas bases de fundamentação das ações da docência criada como instrumento de domesticação.

É uma proposta de mudança de consciência dos sujeitos, da forma de compreensão dos paradigmas epistemológicos, concretização de parcerias, conquista da autonomia. Os tecnodocentes de diversas áreas deverão constituir planos de aula conjuntos, explorar tempos diferentes, segundo a complexidade dos conteúdos, construção de avaliações multirreferenciais, que possibilitem, por um mesmo instrumento, que áreas de saber distintas se interconectem, trabalhos cooperativos entre discentes, séries educacionais diversas surjam, além de, outra relação com a linearidade curricular institucional e outras possibilidades que emergirão no trabalho colaborativo.

Assim, precisamos de uma mudança paradigmática na função docente, para isso, cabe à governamentalidade, ter interesse em mudar a estrutura confortável que a sociedade de mercado proporciona àqueles que detêm o poder. Já, os docentes precisam estar cientes, ainda, de que talvez precisem transgredir e resistir às orientações dos órgãos ligados à governança, mantendo uma abertura ao trabalho em equipe com seus pares, com disciplinas de áreas diversas e com os discentes, os verdadeiros parceiros do professor.

 

Referências

LOUREIRO, Robson Carlos; LIMA, Luciana de. Tecnodocência – Integração entre tecnologias digitais da informação e comunicação e docência do professor, 2018.

 

 

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