Poeta

Poeta

poeta

Estive na Feira do Livro de Sertãozinho lendo poemas de Fernando Pessoa, a convite, e na muito boa companhia, do meu amigo Zéluiz Oliveira, um especialista no poeta português.

Cheguei em casa tardíssimo e larguei as coisas em cima da mesa, bolsa, flores, chaves , livros. Um passante flagrou, entre os largados,  uma dedicatória poética " as cigarras habitam nossas almas" e comentou que aquilo não existe, cigarras não habitam almas, habitam bosques, árvores e que alma, esta mesma, é também bem discutível em sua existência.

Dei-lhe razão e afirmei que não existe, mas é verdade. A poesia explica o inexplicável, traduz o intraduzível.

E para dar-lhes um poquinho da verdade poética, deixo aqui dois poemas de Pessoa, um clássico e cheio de verdades, outro menos conhecido, também verdadeiro.

Aproveitem!

                                    com meu abraço, Eliane Ratier

X. MAR PORTUGUÊS 


Ó mar salgado, quanto do teu sal
  
São lágrimas de Portugal!  
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,  
Quantos filhos em vão rezaram!  
Quantas noivas ficaram por casar  
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
  
Se a alma não é pequena.  
Quem quer passar além do Bojador  
Tem que passar além da dor.  
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,  
Mas nele é que espelhou o céu.

Liberdade

Ai que prazer 
Não cumprir um dever, 
Ter um livro para ler 
E não fazer! 
Ler é maçada, 
Estudar é nada. 
Sol doira 
Sem literatura 
O rio corre, bem ou mal, 
Sem edição original. 
E a brisa, essa, 
De tão naturalmente matinal, 
Como o tempo não tem pressa... 

Livros são papéis pintados com tinta. 
Estudar é uma coisa em que está indistinta 
A distinção entre nada e coisa nenhuma. 

Quanto é melhor, quanto há bruma, 
Esperar por D.Sebastião, 
Quer venha ou não! 

Grande é a poesia, a bondade e as danças... 
Mas o melhor do mundo são as crianças, 

Flores, música, o luar, e o sol, que peca 
Só quando, em vez de criar, seca. 

Mais que isto 
É Jesus Cristo, 
Que não sabia nada de finanças 
Nem consta que tivesse biblioteca... 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

Compartilhar: