Viagem a Darjeeling: o espiritual e o político

Viagem a Darjeeling: o espiritual e o político

Por tratarmos aqui neste espaço de filmes de gêneros distintos e de diferentes origens e intenções, de maneira universalista, não me aterei a classificá-los – de forma rasa – entre a simplista separação “filme comercial” e “filme de arte”. Pois, não obstante, todo filme é comercial em última instância, não havendo separação; e sendo a arte também comercial num mundo em que tudo é comerciável.

Dito isso, gostaria de tratar de um filme que a mim se tornou bastante dúbio no decorrer do tempo: Viagem a Darjeeling (Darjeeling Limited, 2007) do diretor Wes Anderson. Dúbio pelo seguinte: sempre gostei, na minha adolescência, do diretor Wes Anderson, sempre o vi como alguém que sabe transmitir aquilo que intende com refinada sensibilidade e notável peculiaridade. No entanto, conforme fui estudando cinema e amadurecendo o cinema dentro de mim, fui também me aprofundando em um cinema, nacional ou estrangeiro, que eu acreditava ser mais diretamente político – como as obras do brasileiro Glauber Rocha, do francês Jean-Luc Godard e do italiano Pier Paolo Pasolini, entre outros. E passei a desconsiderar a grande maioria dos outros tipos de produção que não possuíssem tal tipo de “apelo”.

Foi então, recentemente, que, ao me lembrar do tanto que Darjeeling me tocou e marcou um período de minha vida, e depois de um processo de “re-aceitação” de que todo filme se destrinchado com um viés bem intencionado pode emanar frutos e ensinamentos – ainda que pela superação de negatividades –, percebi o quanto me significaria repassar as compreensões que tive nas vezes em que assisti-lo.  

Através de seu jeito característico de transmitir estórias, eminentemente familiares, Wes Anderson se propõe a relatar em Viagem a Darjeeling o processo de reconciliação de três irmãos após a morte de vosso pai.  Um deles sugere, numa intenção supostamente bem compreendida, que o melhor a se fazer para concretizar tal reconciliação seria uma jornada espiritual e de autoconhecimento pela Índia, local sagrado e não menos, infelizmente, “fetichizado” por aqueles que buscam algum tipo de espiritualização. Quando eu digo “fetichizado” me refiro à maneira em que algumas pessoas entendem este processo de busca espiritual e acreditam que indo a locais historicamente sagrados e, de fato, centros de enorme conhecimento, automaticamente  irão “ascensionar” espiritualmente; desprezando todo esforço e disciplina interior e de prática diária que deve-se manter para alcançar alguns resultados (não digo eu saber o segredo de tudo isso, mas consigo ver um pouco da complexidade de um processo de “espiritualização” de determinado ser). E é este tipo de postura e pensamento que rege a organização da viagem proposta por um dos irmãos, num esforço eufórico e em grande parte frustrado de entrar em contato com o sagrado e se resolverem como irmãos, isso tudo representado com bastante humor. O interessante é que, a compreensão maior, é colocada de modo bastante esclarecido: que a reconciliação e a boa convivência se dá a partir do momento em que eles têm, internamente, resolvidas as questões concernentes a eles próprios – ou seja, eles conseguem se aceitar e se perdoar finalmente – e aquelas que dizem respeito a seus irmãos que, por que não, são espelho de muitas das características deles mesmos; ou seja, aceitam as diferenças do outro e perdoam aquilo que não pode ser mudado mas sim superado com o tempo. Enfim se tornam um com o todo e com seus irmãos através do amor e da compaixão, independente do lugar que eles poderiam estar. E isto não deveria ser Política? Em sua essência, isso É política, afinal, somos todos irmãos. 

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