Collucci

Collucci

Collucci. Esse era o nome dele.  Um homem inteligente. Collucci conhece inglês, alemão, espanhol, francês, português, italiano, mandarim, latim, matemática, geografia, história, filosofia, sociologia, religião e astronomia.

Uma pessoa interessante, que além de conversar intelectualmente, sabia muito de cultura inútil e esportes.

Collucci é calvo, baixo, magro e usa um bigode.  Mora sozinho em um sítio na zona rural de Ribeirão Preto, mas trabalha e realiza seus estudos na cidade, assim como a maioria das pessoas.

Nesses lugares ele coleciona colegas. Muitos. Hoje, Collucci teve um dia ruim. O trabalho em uma repartição municipal não rendeu o esperado, mas mais coisas o incomodou, além do trabalhou.

Na hora de pegar o ônibus ele constatou que esqueceu de pegar o cartão do ônibus, mas, por sorte, havia um rapaz que vendia passagens avulsas por perto.

No gabinete, Collucci se sentou No lugar de sempre, bem no biombo do meio.

Ali, na repartição, havia muitos jovens e com veia artística. Portanto, o som era contínuo, o bate papo rolava, moças bonitas e rapazes descolados agitavam o lugar.

Collucci ficava na dele, só interferir nos assuntos quando requisitado. Quando começou trabalhar ali, era respeitado, visto como exemplo, mas não demorou muito para ser alvo de chacotas e apelidos. Caxias, professor Pardal, Dexter eram alguns.

Collucci levava tranquilamente, achava aquilo sadio, mas se incomodava quando aqueles nomes se tornavam pejorativas com as capacidades dele.

Como hoje. Adria, uma linda estagiária entrou na sala e perguntou a Marcelo, vizinho de biombo de Collucci quando havia terminado a guerra do Paraguai. Passando a mão nos ombros de Marcelo, disse:

- Gato, eu estava mexendo em alguns documentos, e vi uma carta de um tenente da guerra do Paraguai. Lá dizia que ele morreu em 1922, aos 78 anos. Aí fiquei na dúvida quando ele lutou. Você sabe?

 - Então - começou puxando as mãos da estagiária para o peitoral - não lembro, mas o professor sabe tudo aqui do lado deve lembrar - completou as gargalhadas.

Collucci respondeu corretamente. Que o conflito ocorreu de 1864 a 1870. Era hora do almoço, então Collucci saiu às pressas correndo em direção ao restaurante da esquina da Catedral, onde tinha um encontro marcado com uma velha amiga.

Na verdade, era mais que uma velha amiga, era Jessica, uma jovem que identificava com Collucci, seus conhecimentos, interesse por cultura inútil e por astronomia.

Há alguns dias, depois de ficarem embaixo de um temporal esperando o ônibus, Jessica e Collucci se beijavam, estilo Mary Jane e homem aranha.

Aquilo foi o máximo para Collucci, já que ele reconhecia que não era um exemplo de beleza, enquanto Jessica era uma estudante loura, com um corpo atlético, mas que se escondia embaixo de roupas hippsters.

Ela era vista com a beira dos olhos por outros homens, não por Collucci.

No sítio, Collucci vivia só, cuidava de sua horta e observava o universo em seu telescópio portátil.

Depois da morte do avô, com quem vivia, Collucci achava que precisava conhecer alguém a fundo, alguém para construir uma família.

 Jessica era a mulher que se encaixava em todas as ambições emocionais e sexuais de Collucci.

Naquele almoço, Collucci a proporia em noivado.

Cara a cara, Collucci suava frio, mas adotará uma postura firme, sempre lembrando aquele beijo.

 - Depois daquele dia, percebi que preciso de você. Quer casar comigo? Disse com o olhar metralhador.

-Uau! Olha, preciso pensar. Me dá um tempo, que dou uma resposta - respondeu ela, desviando a atenção para o lado.

Gilda, amiga de Jessica se aproximava. As duas se abraçaram, trocaram elogios e conversaram.

Gilda, já casada, com filhos parecia feliz. Tinha um bom emprego. Era tudo o que Collucci queria que Jessica se transforma-se, e no fundo o que ela também queria.

Gilda voltou à mesa junto ao marido e Jessica pediu para ir ao banheiro. Collucci assentiu. Em poucos minutos ela retorna e diz:

- Não. Olha, você é um cara legal, inteligente. E isso, o casamento, é algo que quero. Mas, noto você alguém que não quer ficar sozinho independente de com quem seja. Acho que posso fazer mal a você, Collucci.

O nosso personagem a encarou atônito. E apenas respondeu:

- Tudo bem.

De volta à repartição, Collucci seguiu o seu trabalho normalmente, como se nada houvesse acontecido. Quando saia do local, às 18h, de plena sexta-feira no mês de Dezembro, Collucci observou aquele dia lindo.

O sol brilhava, as árvores faziam uma sombra refrescante, os bares estavam lotados. Collucci não aparentava ter se abatido tanto pela negativa da moça, e sim contagiado pela atmosfera contagiante daquele fim de dia Ribeirãopretano.

Para não cometer um desperdício de magia, Collucci resolveu convidar os amigos para um Chopp.

Testou cinco números, daqueles que ele considerava camaradas, por mais de uma vez cada um.

Todas as ligações caíram na caixa postal. Collucci imaginou que estavam presos em seus trabalhos ou no trânsito, e deixou de lado.

 Chegando em casa, tentou mais uma vez para convidá-los para um churrasco a beira dá piscina. Três atenderam, mas disseram já ter compromissos marcados.

Então Collucci se abateu. Não era a primeira vez que se sentia solitário. Nestas horas, com a cabeça vazia, as coisas mais obscenas contra a própria existência se manifestam.

Aquilo não era incomum, mas lembrando que seu programa de esporte favorito passava naquele momento, Collucci se recompôs e girou o dial.

 - Olá, ouvinte da Brasiléia FM Esportes. Hoje temos uma bomba ruim para os torcedores do Ypiranga (clube de Collucci). Os conselheiros do clube aprovaram a venda do estádio Hermano Bonfim, símbolo da equipe e marco do bairro Coreto.

 Naquele momento Collucci congelou. Entrou em choque. Coreto é o bairro que nosso personagem nasceu em São Paulo.

O estádio Hermano Bonfim foi onde Collucci passou as lembranças mais saborosas da infância ao lado de seu avô.

Aquilo era um símbolo singular do sentimento de pertencimento que Collucci sentia, já que não tinha mais família, os amigos ausentes e a sonhada companheira o culpando por sua devoção.

O Ypiranga e o Hermano Bonfim eram as únicas coisas que acompanhavam de alguma maneira Collucci.

Era a casa que ele escolhera, os amigos, a família e o amor, que se separavam. Que destruía a única coisa que mantinha a história de Collucci preservada. Um choque. Collucci perderá tudo. Estava sozinho.

Collucci foi até o quarto para pegar um lenço para enxugar os olhos. Viu a calça jogada sobre a cama. O cinto a contornava. Collucci paralisou. Abaixou-se e desprendeu a peça da tira de couro.

As lágrimas, Collucci solução enquanto enrolava o cinto no pescoço. Esticava, o líquido descia dos olhos como uma Cachoeira.

Então o locutor do rádio disse:

 - Num momento delicado da história do Ypiranga, mas esse clube centenário já mostrou em outras oportunidades a capacidade de fazer reviravoltas. São heróis. Para consolar os ypiranguenses neste momento, vamos ouvir Heroes, de David Bowie, que mostra que as coisas podem mudar de lado neste momento tão delicado.

A música tocou Collucci profundamente. Naquela hora ele notou que ainda existirão outras oportunidades. Então desabrochou o cinto. Respirou fundo. Raciocinou que precisava procurar ajuda, afinal, chegou a um extremo.

Não pensava em psicólogos, pois não imaginava encontrar um disponível naquele momento. Mas sentia que precisava contar alguém o limite ao qual chegou.

 Mas logo desistiu de ligar para algum daqueles amigos, e muito menos a Jessica, Collucci não queria mostrar indícios de que ela estaria certa.

Lembrou-se do CVV, entidade que presta auxílio para pessoas em situações parecidas com a dele.

Conectou ao site da instituição, e viu que naquele horário, já não faziam atendimento, seria necessário esperar o dia seguinte.

Mas, instantaneamente Collucci foi acometido por uma vontade de ajudar aqueles em situações como a dele, e viu no site da instituição que era possível realizar a inscrição na hora, mas devido ao horário, era necessário que guardasse o dia seguinte para obter alguma resposta.

Passou sábado, domingo, segunda, terça... Uma semana, um mês. Um ano. E a caixa de e-mails de Collucci permanecia vazia.  

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