Com ela você só conversa com caretas

Com ela você só conversa com caretas

Está difícil de acordar, com pouca moral mesmo e cansaço também. Dói tudo. Cabeça, corpo, os braços. Tudo em uma boa causa. Depois de muito tempo conseguiu o emprego.

Para assinar a carteira precisa de realizar exames médicos (o jeito mais fácil de se ganhar dinheiro neste mundo). Coisa pouca. Preencher uma ficha. Medir a pressão. Nada de mais.

Corre pelo Centro para chegar cedo, e não perder tempo à toa. As ruas lindas. Mas abandonadas. “Decadence avec elegance”, já dizia o Lobão. O consultório é uma casa antiga perto da baixada. Tem até umas escadinhas para subir.

Piso no primeiro degrau e já vejo a fila de gente. Piso o segundo e vejo ela. Logo aquela que terminou em briga feia. Gritos e xingamentos. Choro. Muito choro. Só levanta os dedos indicador e médio da mão direita, faz um sinal e depois um sorriso. Prontamente e lindamente retribuído.

Agora é pegar a ficha e botar um monte de “não”. Totalmente saudável.

A moça da recepção recebe o papel e fala: “Agora aguarde seu nome ser chamado”, e aí começa a espera.

Você e ela (não a recepcionista, mas a garota dos gritos, choros e xingamentos). Frente a frente. Junto com uma porrada de gente. Verdade.

Os olhares desviam para o celular. Para amiga do lado. Mas em uma hora de espera se encontram diversas vezes.

Em um momento de desconcentração você ouve: “... Santos”. Será seu nome? Para matar a dúvida olha para ela.

Uma série de caretas.

Você arregala os olhos e levanta as sobrancelhas. Ela espreme os lábios para o lado esquerdo do rosto em tom de dúvidas. Você encolhe os beiços negando. Ela cerra os olhos e balança a cabeça concordando.

Espera segue. O nome dela é chamado. Cinco minutos depois o seu. Ela ainda espera a amiga depois de sair. Vocês saem do consultório juntos. Na esquina, você vira a esquerda. Ela a direita. “Tchau, Léo!”.

Foto: Pete Souza/ TWH

 

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