Dieguito

Dieguito

Hoje um dos maiores gênios do futebol faz aniversário. Diego Armando Maradona completa 55 anos de vida, quase que inteira venerada por argentinos e napolitanos. Don Diego, que com um golaço e um gol irregular vingou uma guerra, merece todas homenagens. A seguir, a tradução de um dos textos mais espetaculares feito sobre Dios.

Texto de José Pablo Feinmann
Tradução: Leonardo  Roark

 

Segundo o pai dele, que talvez o odiava, Dieguito era decididamente idiota. Segundo a mãe, que o amava muito, Dieguito era só um menino com problemas. Um menino de oito anos que não conseguia passar de série no primário – já tinha repetido a primeira série duas vezes -, taciturno, solitário, que apenas parecia que só ficava trancado no quarto a brincar com seus bonecos: costurava e descosturava, os vestia e os desvestia, vivia exautando eles. Um idiota, insistia o pai, e um viadinho também, acrescentava, já que nenhum rapaz de oito anos brinca tanto com bonecos e, por que não, com bonecas. Um menino com problemas, insistia a mãe, não sem dizer uma palavra científica que explicava a excentricidade de Dieguito: síndrome de tal ou síndrome de alguma coisa. E não um viadinho, contrariando o pai, um verdadeiro rapaz: Por acaso, ele não amava futebol? Por acaso, ele não ficava parado na frente da televisão para ver Diego Armando Maradona fazendo mágica, mais precisamente, a mais perfeita das magias que um ser humano pode fazer com a bola?

Dieguito caminhava pela vida alheio a esses debates paternos. Acordava cedo, ia ao colégio, fazia um monte de besteiras, besteiras, isso de acordo com o pai, imbecilidades que se refletiam no boletim escolar, e depois, Dieguito, voltava para casa, se trancava no quarto e brincava com os bonecos e com as bonecas até a hora de comer e dormir.

Certo dia, um dia que decidiu caminhar pelas ruas do bairro, uma raridade, presenciou algo de extraordinário. Foi na linha do trem. Um super-carro tentou atravessar a via férrea, mas foi atingido pelo trem. Só isso. O trem continuou seu caminho e o carro, em chamas, ficou em um terreno baldio. Dieguito não pode conter a curiosidade. Quem dirigia esse lindo carro? Ele correu – feliz? – pelo terreno e parou em frente ao carro. Sim, a vítima estava queimando, até preto, pegando fogo e com muitos ossos quebrados e perdendo muito sangue. Dieguito olhou pela janela e foi surpreendido: ali dentro, todo fudido, estava ele, o homem que mais admirava no mundo, seu ídolo.

Uma semana depois, todos os jornais argentinos dedicaram a capa a uma manchete comum: Diego Armando Maradona estava a mais de dez dias sem se apresentar ao clube que jogava. Havia polêmicas, reportagens com muitas personalidades (desde ministros a psicanalistas e filósofos) e teorias de todo tipo. Uma delas se destacou sobre outras: Diego Armando Maradona havia deixado o país logo depois que bateu seu BMW. Para onde ele tinha ido? Muito simples: para Colômbia, para juntar-se com o velho e desfigurado Carlos Gardel, que havia sobrevivido a uma tragédia digna de realismo mágico argentino. Agora, horrivelmente desfigurados, os dois maiores ídolos da Argentina se faziam companhia na dor, em solidariedade, e na humilhação de não poderem sequer olhar no espelho. Eles, que haviam reluzido em um grande país do sul.

Em meio a tristeza nacional na Argentina, o pai de Dieguito ficou surpreso com a alegria que iluminava o rosto do menino, que ele chamava de idiota. O que está acontecendo com esse idiota?, perguntou para esposa. “Não sei”, respondeu ela. “Está comendo bem. Também dorme tranquilo”. Mas em uma rápida hesitação – já que se lembrou de algo diferente –assinalou: “Mas tem algo estranho”. “O quê?”, perguntou o pai. “Ele não quer ir mais a escola”, respondeu a mãe. Indignado, o pai chamou Dieguito. Ficou só os dois na sala e perguntou por que ele não queria mais ir para escola. “Dieguito não está querendo ir ao colégio”, respondeu Dieguito. O pai deu um tapa na cabeça do menino e saiu da sala para buscar a mãe. “Este idiota não sabe mais falar”, disse. “Agora fala com gerúndios”. A mãe foi até Dieguito. E ela perguntou por que ele fava com gerúndios. Dieguito respondeu: “Dieguito não sabendo o que é gerúndios”.

Se passaram alguns dias. Dieguito, agora, não saia mais do quarto. E os pais decidiram ignorar isso. Mais especificamente, dar o benefício da dúvida para o menino. O que fazia esse idiota. No que se metera esse infeliz, esse menino só nasceu para trazer problemas e fazer cagadas.

Sem dúvida, existem coisas que não se pode ignorar. Como não notar o podre e nauseante odor que saia do quarto e ia até a sala de jantar e aos quartos? Que merda é essa? Quem poderia imaginar que esse cheiro iria tomar a casa inteira? Decidiram perguntar para o menino o que estava acontecendo. “Isto”, disse o pai, “é obra do pequeno idiota”. Chamou a mãe, e juntos, decidiram ir até o quarto do menino. Subiram a escada estreita, tentaram abrir a porta e não conseguiram: estava fechada. “Dieguito!”, gritou o pai. “Abre a porta, seu idiota!”. Ouviram uns passos leves no piso, a fechadura girou e a porta abriu. Dieguito a abriu. Sorriu com receptividade e disse “Dieguito trabalhando”, e logo voltou para a mesa em que estava deitado o ídolo sumido. Sim, era ele. O pai não podia acreditar: Não estava na Colômbia com Gardel, ele estava ali, sobre a mesa, e o cheiro era insuportável, e também tinha sangue por todos os lados e o ídolo estava parado, e Dieguito, com obsessão, costurava uma mão (La mano de dios?) em um dos braços. A mãe olhou com terror. E o pai perguntou: “O que está fazendo, seu idiota?” e Dieguito (satisfeito por finalmente ter feito seu pai ter sentido orgulho dele) só respondeu:

- Dieguito armando Maradona.

 

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