Edu K fala de novo trabalho e de como vê o rock hoje em dia

Edu K fala de novo trabalho e de como vê o rock hoje em dia

O músico e produtor musical Edu K, acredita que o rock perdeu força não por que estaria chegando ao fim, mas porque hoje o mundo está menos careta, portanto com o gênero perdendo a expressão política, mas ele ainda põe fé que novos artistas vão bater de frente com o que está sendo apregoado e se tornando clichê. Edu K, que em 2014 produziu o disco Costa do Marfim, do Cachorro Grande, lança em novembro um EP, chamado Boy Lixo, uma vertente do rap com a música eletrônica, inspirada nas bandas britânicas, surgidas no fim dos anos 1980, como Stone Roses.

 

As letras do Edu K são mais irreverentes e simples e as melodias são mais “complexas”. Por que apostar nisso?

Na verdade, não chega a ser uma aposta. Nada do que eu faço é pensado, premeditado e, muito menos ponderado (risos)! Sou animal instintivo, procuro sempre a pureza da primeira coisa que vem à mente, tanto nas letras, quanto nas melodias. É uma bela obsessão pela pureza, mesmo enterrado no lixo (risos)! Mas, ainda assim, existe um trabalho mais "cabeça" (risos) nas letras novas que tenho feito, tanto no Boy Lixo quanto no DeFalla. Mesmo que o tema das letras do Boy Lixo seja o hedonismo, a busca eterna e desenfreada do prazer e a putaria nua e crua, especialmente a parte nua (risos). Como voltei a rappear nas músicas, na onda das produções trap, ao menos no meu disco solo, existe um certo trabalho em cima das letras, no sentido de jogo de palavras e de cintura (risos). Além disso, o Boy Lixo é um disco temático, um manifesto do novo cafajeste, o novo homem que ressurge das cinzas da última revolução sexual, que trouxe o poder de volta às mãos femininas. Mas, as próprias mulheres andavam reclamando que o homem moderno andava muito retraído, apagado, sem drive. Daí esse reverso do crepúsculo do macho.

 

De onde surgiu a ideia de misturar o rock’n’roll com a música eletrônica?

Isso, originalmente, vem de longe: um dos momentos mais míticos é a cena de Manchester do final dos anos 80 e início dos anos 90, de onde saíram Happy Mondays e Stone Roses. Uma cena que surgiu da exposição da galera do rock às raves - cena que revisito com fome no novo disco do DeFalla (que sai em março de 2015), Monstro, e no disco da Cachorro Grande, Costa do Marfim, que acabei de produzir. Fora isso, sempre fui um grande entusiasta da música eletrônica, desde seus primeiros passos de bebê, com Kraftwerk e Moroder comandando a festa  que veio a influenciar os primórdios do hip-hop, via Africa Baambaata, Miami Bass e companhia, e outras grandes influências. Sempre quis navegar neste universo, mesmo quando comecei o DeFalla. Naturalmente, com a revolução tecnológica dos anos 90, estes elementos eletrônicos passaram a permear minhas produções de rock, mais notoriamente a partir do disco Kingzobullshit, do DeFalla. Fora isso, o DeFalla sempre flertou com a eletrônica, desde o primeiro disco em 1986, sendo a primeira banda a gravar samples e scratches no país.

 

Quais as principais referências para essa mistura?

Acho que já respondi na pergunta anterior. Mas, fora as referências clássicas ainda dá pra citar Prodigy, Chemical Brothers, Primal Scream e, inevitavelmente grupos de hip hop que flertaram diretamente com o rock como Onyx, House Of Pain e os lendários Beastie Boys e Public Enemy.

 

O que acha do rock nacional e gaúcho de hoje em dia?

Acho que tá mil grau! Evoluíram horrores a cena e a maneira como se grava e se divulga. O fato de começarmos, finalmente, a nos acostumar com o fato de não mais estarmos nas garras da falecida indústria tradicional da música, propicia um novo e fértil momento de coragem, experimentalismo e liberdade. Aos poucos, um novo molde volúvel vem se formatando. É uma era onde, se por um lado a cultura dos files e downloads roubou um pouco do valor ritualístico e comercial da música, ela tende a crescer mais como arte, justamente por este fato trazer um descompromisso gerador de gigantesca liberdade.

 

Muitos roqueiros clássicos, como Gene Simmons, Ozzy Osbourne e Joe Perry, não veem o rock com o mesmo protagonismo de antigamente e classificam isso como o fim do rock. O que você pensa sobre isso?

Rock não tem fim. Até porque rock não é apenas a música. Mas sim, o rock perdeu sua força como rebeldia, contestação. Mas isso é algo que tem muito mais a ver com nossa época do que com a música em si. É uma época de excesso, de extrema liberdade, onde não há mais nada com o que se rebelar. No sentido juvenil da rebeldia. É uma época apática onde já se fez e se viu de tudo. Não há muito espaço, além da estética, para o rock agora. Ao mesmo tempo, o próprio rock surgiu como uma necessidade e resposta a uma época sorumbática, de certa forma parecida, de formas diferentes, com os dias de hoje, onde aparentemente se ergue uma nova direita conservadora e ignorante. É possível que algo novo, e que ocupe este tão necessário espaço deixado pelo rock, surja. Estamos na torcida, e quem sabe até mesmo, juntos surfando a crista dessa onda.

 

E o trabalho Costa do Marfim com o Cachorro Grande, qual sua parte nele como produtor?

Sempre digo que um produtor é pai, mãe, irmão, amante, psicólogo, guru, treinador, carrasco e ditador (risos). Fui tudo isso pros guris. Abri as cabeças e corações deles e os ajudei a trazer pra fora tudo que estava lá dentro. Sou como um cientista maluco que ajuda as bandas a construírem o foguete que os levará à Lua. É um processo quase paranormal. Me considero um produtor autoral, meto a mão e participo de tudo, de todo o processo mesmo, do nome do disco, às letras, à capa, ao show. Ao som, em si. E meu método é o caos, a busca eterna da espontaneidade, do imprevisto, do impensado, enfim, da mágica. E foi assim que trabalhamos no Costa na Costa: a partir de um esqueleto das novas canções, talhado pela banda, fomos construindo juntos o disco, peça por peça, na hora, sem premeditação, sem ensaios, deixando o fluxo de consciência seguir seu caminho livremente.

 

Em Boy Lixo tem mistura do eletrônico com o rap, como é o casamento dos estilos?

O hip hop sempre teve os dois pés na eletrônica. Ainda mais agora que a sigla mais temida e famigerada do mundo atual, a EDM (genérico da música eletrônica, Eletronic Dance Music) engole tudo que vê pela frente com fúria antropofágica. Portanto, ao se falar de rap, hip hop, house, electro e afins, hoje estamos falando de música eletrônica. E, fusões sempre me seduziram. O que acontece é que o trap, um desdobramento do hip hop, vem usando elementos do electro house e da música club em geral, fazendo a ponte entre os estilos. Por isso, numa audição do Boy Lixo nota-se esta grande carga de eletrônica. As grandes ravesmodernas, como por exemplo, as festas da Mad Decent, selo do bombado Diplo, nos Estados Unidos são como templos sônicos onde todas as vertentes musicais colidem, se complementam, celebrando o hedonismo como se não houvesse amanhã, uma verdadeira oferenda à Bachus dos tempos modernos.

Foto: Fernanda Chemale

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