Quem nunca?

Quem nunca?

O dia não quer terminar. Dá aquela respirada, mas alguma coisa está na garganta entalado. Caminha até o Centro da cidade. Olha as pessoas indo. Olha as árvores. A fonte. Os monumentos. O desespero aperta.

O relógio anuncia 20 horas. Faltam 15 minutos para o busão passar. Corre até o ponto que dá tempo. O horário não é o de costume, mas é aquela linha mesmo. As pessoas não são as mesmas. Nenhum conhecido, ou alguém que chame a atenção.

Lá no fundo o busão dobra a curva. Se levanta para ir para fila. Nisso, você nota a garota. A princípio parece ser bem mais velha, uma mãe de família. Não pelo estado. Não pela idade demarcada. Mas sim pela polidez e sutileza.

Cabelos castanhos presos e jogados para cima. Corpo magro. Um bom pé 37 calçado em uma sapatilha. Unhas sem esmaltes. Simples, mas elegante. Menos é mais. A beleza chama a atenção. Só se você for bem atento aos movimentos e a postura. Óculos. Ela usa óculos, deve ser isso.

Ela é linda.

Vai conversar com ela. Dá uma migué, fica bem atrás da fila, só para o único lugar para sentar ser ao lado dela.

Não não não.

Calcula mal o número de pessoas. Ainda existe uma caralhada de bancos vazios. E outra, ela coloca a bolsa bem no banco ao lado. Só para ninguém sentar junto.

A sua estratégia tem que mudar. Torce para entrar uma velhinha ou doente no ponto do hospital, só para você levantar para dar lugar e ficar perto dela.

Mas e aí, vai conversar o quê? Fala que já viu na faculdade. Se for, confirma, se não for, finja-se de besta e continue puxando papo.

Não entra nenhum doente, muito menos velho.

Ah! Rabisca no papel seu telefone para ela te add no WhatsApp e coloca preso na bolsa dela. Olha para o lado, antes. Os olhos se cruzam. A primeira vez. Você se derrete. Perde a postura. Ela, apenas expressa normalidade, vira a cabeça, encosta no vidro e tira um cochilo.

A sua viagem vai terminando. O ponto chegou. A multidão de gente te empurra para fora do busão. Ela fica sentada para continuar o caminho. Você olha uma última vez. Corre até a janela que ela está perto e espia. Ela te vê e mantém fixo o olhar. O busão dá a ré. Vai embora. Você segue seu caminho. Passa em cima da ponte. O rio está cheio. O vento forte. O papel para a paixonite voa. É levado pela água.

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil

 

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