Sai do gol

Sai do gol

A primeira vez foi meu irmão. O ano era 2005, e junto comigo, frequentávamos a escolinha de futebol da rua. O Lucas era nosso goleiro na categoria dente de leite na Associação Unidos Zatt Futsal, clube do bairro, ao melhor estilo argentino. O sangue de nossa vila, de migrantes, imigrantes. Nordestinos, italianos, da periferia mais distante ainda da Sé. Nossa cor era azul. Das meias à gola da camiseta.

Eu era o árbitro. Os meninos jogavam bola na manhã de domingo. Nossos pais estavam na igreja. Lucas e eu fomos acompanhados do nosso primo e vizinho de quintal, o Bruno. O professor da escolinha, o Domingos, um negro franzino, na casa dos 40 anos, e que tinha um filho que jogava bola e estudava na mesma turma que meu irmão, tinha ido tomar um café, e me transferido a oportunidade, no auge da minha pré-adolescência de cuidar das crianças em quadra, de apitar o jogo.

A segunda vez foi dez anos depois. O Palmeiras recebia o São Paulo no Allianz Parque. O placar já estava dois a zero para o Porco. Momentaneamente os donos da casa estavam com um jogador a menos, já que o avante Leandro Pereira estava recebendo atendimento médico. A torcida já gritava “olé!”.

Na escolinha, o time que meu irmão enfrentava havia um guri chamado Índio. E era índio mesmo. Pirituba fica no pé do Pico do Jaraguá, onde há uma tribo indígena, e o garoto saia de lá para jogar bola com os meninos do bairro.

O Palmeiras tinha Egídio, em partida endiabrada. O lateral jogou muita bola. Já tinha dado um cruzamento para gol, o tempo lhe reservaria mais dois para aquela tarde.

Índio pegou a bola. O muleque era habilidoso e marrento. Quando estava com a bola ia para cima mesmo e nem queria saber. Quando tinha falta ele ia lá e pegava a bola para bater. Quando o outro time tinha a bola, ele ia lá e roubava ela para ele. Ele amava a bola.

Aos trancos e barrancos, o Palmeiras puxava o contra-ataque. Passes desengonçados, jogadores tropeçando. São-paulinos girando a cintura desesperadamente para acompanhar a jogada. Egídio recebeu a pelota. Egídio jogou rasteirinha para dentro da área. Os dois zagueiros só olharam. Rogério Ceni, o mito para eles, plantou debaixo das traves. A bola passou por ele como aquele abacaxi caramelizado de churrascaria. Mas sem ação.

Aquele que amava a bola carregava ela lentamente com os pés. Tranquilamente passava por todo mundo que tentava roubá-la. Ele era adversário do meu irmão. Meu irmão não pode perder. Mas o jeito dele carregar a bola encantava. Travava. Assim como o cruzamento rasteirinho do Egídio no choque-rei. Eu tinha o apito nas mãos e não pude fazer nada para proteger Lucas. Índio ficou cara a cara com ele. Rafael Marques ficou de frente para Ceni.

Sai do gol! Sai do gol!

Gooooooooolll! 

 

Foto: Cesar Greco/Agência Palmeiras

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