SAGA DAS IRONIAS HUMANITÁRIAS

SAGA DAS IRONIAS HUMANITÁRIAS

Sobre o tampo da mesa do generalíssimo deus totalitário ludibriador, onde era possível divisar, mal rabiscadas, as fronteiras do mundo, emergiam as fotos de milhares de crianças famélicas, ossudas: ossos quase rompendo a pele, caras tomadas pelo pavor, pela súplica ou pelo fervor. Umas olhavam para o céu; outras, para o chão; nenhuma, para frente. Como cães, unhavam as carnes flácidas dos seus pais, entre o desesperado e o desembestado. Crianças esperadas para um banquete sem igual. Os pais as impediam de chorar. Qualquer gota d’água faz falta a um corpo a um ponto de desidratar. Os urubus, dando voltas, dançavam a dança da comilança.

O generalíssimo deus comilão enganador portava suas muitas caras, mil ardis, mil canhões, milhares de fuzis. O que um deus de rapina exige? Nada mais, nada menos que devoção: cega devoção. E sacrifícios: absurdos sacrifícios, que estupram a liberdade. Ao contrário do que dizem ou pensam os pobres mortais, devotos comuns, garras não têm nenhuma compaixão. Uma foto, no meio das outras, corrompia qualquer observação. Crescia e teimava em passar por cima dessa série de fronteiras mal acabadas, sempre mal rabiscadas. A foto grita: um bombeiro carrega o corpo inerte de um menino pelas areias de uma praia paradisíaca. Seus toscos pais aportaram nas costas de um deus bandido crendo nessa igreja capaz de lhes trazer uma possível salvação.

O generalíssimo deus dragão, aquele de faces múltiplas e múltiplas línguas, bebia, em goles sôfregos, um líquido negro, pastoso, fedorento, encontrado apenas bem perto dos infernos da Terra. Tomava porres, porres e mais porres, o tal deus imperialista comedor de tudo. Bebia tanto que se viciou. Beberrão e guloso comprou, subornou, promoveu, destronou, fanatizou sem descanso, nem dó. Não podia mais viver sem a merda preta pastosa. Ela traz consigo o poder de fazer gigante, um mero deus degradante. É fácil roubar de um retardado facínora, cultuador de si mesmo: pajé de tribo. Gato se fazendo passar por leão.

O deus mercado capitalista insaciável saliva, quando encara o focinho amordaçado de um coiote, metáfora escarrada e cuspida, emparedada, de um bípede, fera igualmente assassina, comedora de gente, mas também de suborno. Coiotes destroçam fronteiras, riscam novas trilhas, são comprados para fazerem de gente dinheiro, dinheiro sujo de sangue, porém o deus mercado imperialista dragão opera milagres. Fabrica detergente para lavá-lo. De vez em quando, um ou outro dessa escória é preso, um ou outro vira exemplo. Aí sim, o deus impositor, de braços abertos, poderá posar de salvador, bondoso acolhedor. Por um tempo breve, abrirá os braços para afagar aquele povo de nariz adunco, miserável, alienado do qual comeu a carne e o cérebro durante uma vida.

Mas, não se esqueçam senhores passivos devotos do deus das mil armas, mil caras, mil cores, não se esqueçam da roda, da roda, da roda da história tão estúpida, quanto inválida. A história com cirrose, história hereditária. História escarrada na cara de quem a vê através do filtro de uma tela ou de uma página. História escrita com mentiras, escárnio, arrogância e catástrofes.  Não se esqueçam da dança dos urubus, pelo menos, até encherem a pança entre a hora do almoço e do jantar.

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