É CASO DE PÂNICO???

É CASO DE PÂNICO???

                Na última semana, uma entrevista foi motivo de debate, bem como, ânsia de embate entre forças, nem sempre explícitas e ponderadas, mas, histericamente antagônicas. As figuras centrais de tanto alvoroço são conhecidas da grande plateia nacional. Maniqueisticamente, em um propalado corner direito do ringue estava a jornalista Raquel Sherazade. Por sua vez, aparentemente, no corner esquerdo do mesmo, postou-se o apresentador/entrevistador Emilio Surita. Desse movimento de peões – porque reis e rainhas só se divertem, assistindo a tudo de camarote – foram os ouvintes, de todo canto desse país, os jogados nas cordas por mais uma pancadaria intelectual-moral-visceral, oriunda de argumentos de toda sorte. O azar ficou para o brasileiro que ainda opta em permanecer se negando a vestir luvas, para qualquer lado que seja, na esperança de viver cooperação e não mais competição predatória na “biologia social nacional”. Desse modo, o motivo dessa esperançosa negação de alguns é o ponto de análise nesse texto. Ou seja, o resgate de percepção do óbvio e lógico para todos, a qual se perdeu, após tanta porrada do pseudo-relativismo – verdadeiramente egoísta e parcial – que ambos os lados desferiram e ainda desferem um no outro.

                O óbvio e lógico como o relato de Seu Jorge. O cantor, conhecido por seu grande e versátil talento, bem como, por sua origem pobre, declarou, em entrevista recente, não fazer apresentações em favelas porque não quer correr o risco de dar e levar tapinhas nas costas de traficantes e milicianos. É óbvio convir que essa possibilidade é, realmente, incoerente para quem defenda justiça social. Também argumentou que não deseja rever cenários, os quais tanto trabalhou para deixar. O que, naturalmente, é algo esperado por todos que, de forma justa, desejam melhorar suas condições de vida, no mínimo sob a ótica de saúde. A lógica e obviedade das palavras de Seu Jorge contrastam com a tendência absurda, também tão famosa quanto o artista – vide o embate mencionado no início do texto –, pela qual a premissa ainda pincela glamourização de uma suposta inocência inserida na pobreza, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, é estimulada a visão da mesma como uma espécie de “masmorra social”, intransponível (pela vontade única do sujeito) e determinista. A partir da desconsideração de boa parte do óbvio, outros conceitos começam a ser, convenientemente, alvo de distorções em seus significados. Tem-se, nessa pauta de distorção nacional, o exemplo do conceito de meritocracia, o qual, de modo intenso e crescente, vem sendo repudiado por aqueles que interpretam que o meio define o Homem – embora as evidências científicas não atestem tal ideia de modo absoluto – na medida em que oferece ao indivíduo determinadas condições. Isso mesmo que, sabidamente, as mesmas não tenham caráter definitivo. Ainda em tal assunto, ocorrem outros equívocos conceituais. Exemplo se dá quando argumenta – se que as análises devem ser feitas somente em cima de regras, mas nunca de exceções, praticamente desconsiderando as últimas. Pode-se, parcialmente, aceitar essa ideia, na medida em que a regra também deve ser repensada e remodelada. Contudo, quando totalmente concordantes e passivos em relação a esse argumento, cai-se no esquecimento de que a Vida e a Ciência também evoluem, inúmeras vezes, a partir e na direção do que é chamado de exceção. O motivo é simples, pois, um dado caso, mesmo podendo ser, ainda, excepcional, pela simples razão de existir, confirma a viabilidade de se tornar realidade geral, a regra. Para tanto, deve-se, perseverantemente, estudar, possibilitar e aplicar as variáveis que definem a situação desejada (logicamente, caberá a cada indivíduo fazer adaptações necessárias de cada variável para suas vidas específicas). Inclusive, será que tal processo não poderia receber o nome de “Educação”???  Quem ainda não sabe que educar e ser educado dói, consome tempo e dá trabalho? Ops... Considerando essas características, típicas do processo educativo, é possível que se esbarre em um aspecto negativo da cultura brasileira: imediatismo. Outro exemplo de equívoco, conveniente para alguns, sobre a meritocracia, está no plano filosófico. Posicionamentos contrários criticam o processo meritocrático com base na ideia de que o mérito de um indivíduo, para ser real, exige que somente o mesmo seja responsável pela ação meritosa. Essa é uma falácia, inclusive do ponto de vista evolutivo e sociológico, na medida em que não há qualquer dúvida, igualmente científica, de que o Homem é social e, consequentemente, vive relações de interdependência. Contudo, o reconhecimento dessa interdependência natural humana não anula o fato de um sujeito ser merecedor de honrarias – mais do que um outro, o qual possa ter representado auxílio – exclusivamente, num dado momento e em função de x circunstâncias. Sendo, portanto, absolutamente normal e, até esperado que, em outro momento e sob outras circunstâncias, o outro indivíduo, que outrora representou auxílio, seja reconhecido por seus méritos e assim por diante. As competições esportivas comprovam essa situação. E, mesmo assim, não significa dizer que em meio à meritocracia não possa haver situações que não sejam próprias e/ou divirjam, dinamicamente, desse sistema. Exemplos muito contundentes são os benefícios sociais quando em condições, temporárias, de extrema impossibilidade de ação do ser humano. São, precisamente, nesses casos que se justifica e assegura o caráter, também, temporário de tais benefícios, até que os indivíduos contemplados pelos mesmos possam reassumir ou assumir condições adequadas e necessárias para vivência no modelo meritocrático. Bom, mas o que é possível, de fato, esperar da dinâmica político-social, além do repúdio e distorção de obviedades, quando, citando mais um exemplo, existe a habituação de justificar e aceitar graves erros de afins com base e a partir dos erros alheios, principalmente, quando cometidos pelos “não afins”? Em outras palavras, a lógica e o óbvio, por razões interesseiras ou passionais, sucumbem diante da ilogicidade oriunda da mera vontade caprichosa de alguns.

                Como canta Seu Jorge, em parceria com Ana Carolina, “a vida tão simples é boa, quase sempre”. Portanto, talvez existam razões, ainda não descobertas, para a vida político-social brasileira, inúmeras vezes, não ser nada boa, pois, onde há possível, mas, surpreendente confusão conceitual entre igualdade e ditadura – ainda que seja do proletariado, burguesia, etc – não reina a simplicidade. Possivelmente, não seja necessário entrevistar qualquer jornalista ou profissional para notar que, se não há pânico, certamente há algo prévio a ele no ambiente social.

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