NÃO MAIS SOMENTE ÍNDIOS, RENATO...

NÃO MAIS SOMENTE ÍNDIOS, RENATO...

        Pensando o contexto sócio-cultural atual, ficam perceptíveis sinais de incongruências do pensamento humano. Incongruências evidenciadas, diariamente, pelas razões para novas barbáries que vêm à tona, fazendo com que toda gama de absurdos, anteriormente noticiada e também de origens similares, fique obsoleta. É preciso entender a palavra obsoleta como novo significado para a palavra “comum”, pois, o que hoje é bizarro, amanhã, devido ao agravamento do caos, termina como algo comum. Contudo, é fundamental a relembrança de que o comum não é, necessariamente, normal – mais um sinal de incongruência. Assim sendo, é possível considerar que o processo de dessensibilização negativo humano é mais veloz do que a capacidade de ponderação do brasileiro, e, nesse aspecto, pontos importantes para a saúde do desenvolvimento da nação têm sido afetados e comprometidos, intensamente, pela perda de parâmetros e responsabilidade ocasionada pelos “modismos comportamentais indiscriminados”, cujas qualidades são mais que duvidosas. A infância, nesse contexto, é um lamentável, mas, excelente exemplo. Seus sentidos mais essenciais – inocência, ingenuidade e espontaneidade – foram distorcidos e repudiados, gerando inúmeros indivíduos enganados, descompassados, confusos, desajustados. Muito do que é característico à infância está sendo negligenciado, em prol da “pseudonecessidade” de inserção e domínio social em ambiente competitivo. Contudo, tal ambiente deixou de ser, simplesmente, competitivo, para se tornar doentio.

            Shoppings no lugar de parquinhos. Games (muitos erotizados e violentos) no lugar de piões. Carrinhos de rolimã sucumbiram mediante aos miniveículos elétricos. A infância se tornou “Vestibulinho” para a formação da cultura de poder e status, a qual mina, incessantemente, noções sociais fundamentais como cooperação, tolerância.  Contracultura, nesse cenário, virou papo de quem está desconectado. Infância, portanto, parece ter se tornado coisa do passado. O status “online” deriva de tudo o que é ditado, instavelmente, pelos booms de ocasião, sendo os mesmos materiais – ostentação – e ideológicos – “ostentação fora do normal quem tem motor faz amor. Quem não tem passa mal” (MC Daleste). Bem como, frequentemente, o imaginário de uma criança é baseado no que seus pais querem ter ou têm (e querem sempre e muito mais), gostariam de ser ou são (ainda que esse “ser” nada mais seja do que o mais do mesmo). Essas teses ideológicas familiares, oriundas dos sucessos, mas, principalmente, das frustrações dos pais são assimiladas tão precocemente que, como tudo que é precipitado, ficam completamente não compreendidas pela criança. Portanto, logicamente, a pequena e o pequeno perdem seus mundos lúdicos, enquanto tentam, desastrosamente, sobreviver em meio ao meio adulto no qual foram arremessados. Mundo esse no qual dinheiro é o alicerce mestre de valorização humana, a aparência física impõe critérios para aceitação social, a politicagem gatuna é considerada modelo de relacionamento interpessoal (o que, provavelmente, explica os inúmeros casos de impunidade, bem como a força e validação de ditados populares como “a ocasião faz o ladrão”). Entretanto, mesmo após expor crianças e adolescentes a tanto fel, contraditoriamente, os seus “(ir)responsáveis”, de modo lunático e incoerente, os cobram de assumir papel de futuros porta-vozes de princípios sólidos e socialmente funcionais. Pura utopia e hipocrisia!!! Pois, naturalmente, saúde social é resultado, exclusivo, da orientação de adultos equilibrados e convergentes com tais conceitos.

            O que, realmente, é possível esperar de uma sociedade – bem como de seu futuro – na qual as sementes de algo, que poderia ser novo, são jogadas – sim, esse é o termo – em solo (filosoficamente) pútrido, árido e/ou contaminado por vícios – de pensamentos e atitudes – não somente velhos, mas, também, decadentes? O mais chocante é que, por orgulho e intransigência, inúmeros “lavradores” desse solo se consideram representantes da eficiência e coerência, contudo, não por lógica embasada, mas, meramente, por constituírem uma tendência massificada egocêntrica. Isso se evidencia por mentalidade, a qual fomenta declarações estapafúrdias de pais a respeito da estranheza infanto-juvenil atual. “Só descobri que meus filhos (10 e 8 anos) eram NORMAIS depois de ir a muitas reuniões de pais na escola e conversar com outras mães. Meus filhos gostam de roupa de grife, fazem dieta, se interessam pelo meu salário e querem ser famosos, tudo isso totalmente diferente da minha geração”. Essa fala, de uma mãe anônima, propõe a questão: normais??? Se assim for, provavelmente, muitos pais é que se encontram fora de suas faculdades mentais normais. Será normal crianças terem como interesses primordiais em suas vidas os salários dos pais, os objetos símbolos de poder social, etc? Será que essas “normalidades” não explicam, consideravelmente, as anomalias da sociedade? Estranho “tanta normalidade” coexistir com aumento de casos de bullying, aumento de crimes cometidos por adolescentes, letalidade em acidentes de trânsito maior quando envolve jovens, etc...

            Às crianças cabe sorrir dos palhaços circenses, e não por ter notas de dinheiro em seus bolsos. Parafraseando, de forma adaptada, a banda Legião Urbana, “nos deram espelhos e vimos um mundo doente. Tentamos chorar e não conseguimos”. Não conseguimos chorar, genuinamente, porque estamos gastando energia em forçar sorrisos, idiotizados, nas fotos de redes sociais, enquanto torcemos para que nossos amigos imaginem o quanto somos todos contentes e seguros de nós mesmos.

    

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