QUAL É A INTENSIDADE REAL DO IMPACTO?

QUAL É A INTENSIDADE REAL DO IMPACTO?

              Poderia dizer que começarei pela frieza dos números. Mas, para quem as sente e, também, para quem presencia seus efeitos, a palavra frieza em nada se aplica à situação de, aproximadamente, 400 milhões de pessoas no mundo inteiro (segundo dados da OMS) e, segundo Ministério da Saúde brasileiro, 23 milhões de compatriotas. Em outras palavras, somente o Brasil responde por 5,75% da incidência de quadro clínicos nos quais a cor cinza, muitas vezes, só tem dois tons: tristeza e, não raramente, desespero. Portanto, é mais do que lógica e coerente a substituição da palavra frieza pela palavra cinza. Cinzas da psiquê humana .

                A tragédia ocorrida com o avião da Germanwings, caído em solo francês, naturalmente provocou uma reação global de espanto, medo e dor. Isso devido, principalmente, à divulgação da possível causa de tantas mortes de inocentes. A hipótese mais forte, formulada a partir dos dados em análise, põe Andreas Lubitz, co-piloto da aeronave, no epicentro do horror. Segundo tal hipótese, Andreas, provável portador de Transtorno de Ansiedade Generalizada e Depressão, provocou, deliberadamente o choque contra os Alpes Franceses. Essa atitude, segundo relatos, teria sido motivada pelo desejo do co-piloto em ser lembrado. Obviamente, não haverá certezas, tão absolutas, para as análises realizadas, bem como, provavelmente não serão obtidas respostas, totalmente claras, para todas as questões a serem levantadas sobre esse lamentável acontecimento, pois, as ideias e pensamentos de Andreas nunca serão, precisamente, conhecidos. Portanto, o que pode ser útil em meio à consternação global? Essa sim é uma resposta, não somente possível, mas, fundamentalmente, necessária. Diz respeito à indispensável urgência da comunidade mundial em discutir, mais profunda e amplamente, as abordagens (principalmente filosóficas) e visões sobre as psicopatologias, bem como sua própria responsabilidade sobre o surgimento e crescimento das mesmas. Embora, sob o ponto de vista filosófico, muito se dependa da enorme variação cultural de cada canto do globo, a dureza de opiniões, a insistência na descrença de valores funcionais (como a fraternidade), a distorção de lógicas em prol de vantagens egoístas e restritas, a valorização de aspectos superficiais do ser humano e do mundo, o orgulho, a ganância, a segregação de qualquer tipo, a extrema necessidade de ser notado (a qualquer custo), etc, são condutas sociais, amplamente, divulgadas e aceitas, as quais possuem papel central na emersão das psicopatologias. Sem entrar, totalmente, no mérito científico sobre os detalhes das causas para as ocorrências de cada distúrbio mental, já se sabe que, além de fatores de predisposições genéticas, há influência decisiva de elementos ambientais e comportamentais. Portanto, a partir de agora, por exemplo, em função da previsível e lamentável ignorância de muitos, pode aumentar a preocupação com o modo pelo qual serão considerados, socialmente, os portadores de quaisquer psicopatologias. Se antes de fatos intensos e chocantes, como o da tragédia com o avião alemão, já havia muito preconceito e equívocos relacionados às psicopatologias, após tais notícias, corre-se o risco de ampliação de vários erros e absurdos advindos do preconceito e equívocos mencionados. Portanto, não havendo atenção, cautela e estudo, sério e respeitoso, sobre as psicopatologias, as tendências, normótica e traiçoeira, da sociedade aumentarão, aumentando também as chances da humanidade se tornar algoz de si mesma, através do que poderá surgir de suas tendências mais tortas e extremistas. Algo, inclusive, infelizmente já experimentado durante o genocídio promovido na Segunda Guerra Mundial. Evidentemente, não está aqui tese alguma de negação quanto a possível responsabilidade do co-piloto do avião alemão na tragédia aérea da última semana. Mas, sim! Está aqui sendo proposta a ideia de, a partir de mais um acontecimento impactante, exercitar a constante revisão de padrões mentais e comportamentais sociais, não pautada em parcialidades, cinismos ou deboches, independentemente dos aspectos culturais nacionais que seja tido como referência.

                O máximo de esclarecimento que for possível sobre a tragédia nos Alpes Franceses será muito bem vindo, até para nos consolar, tenhamos ou não qualquer tipo de vínculo com as vítimas. Mas que esse esclarecimento não tenha direcionamento para interpretações limitadas. Tão triste e lamentável quanto saber que causas mecânicas ou técnicas, evitáveis ou não, são as razões para grandes desastres, é perceber, mas desconsiderar, que as participações humanas nesses desastres têm causas multifatoriais, desperdiçando chances de renovação e aprimoramento de pensamentos e ações que possam, não somente, constituir parte da cura para distúrbios mentais, mas, principalmente, contribuir na prevenção dos mesmos, praticando o sentido real da palavra saúde.                    

Compartilhar: