UMA TARDE EM "PHILIA"

UMA TARDE EM "PHILIA"

            Um dos aprendizados mais marcantes que carrego comigo tem origem na fala de um conhecido, profissional de jornalismo. Eu ainda era um estudante de psicologia, mas escrevia textos para o jornal no qual o mesmo era editor. E, considerando que um dia eu estaria de frente com alguém que precisaria de minha ajuda profissional, esse conhecido vaticinou: “Tal como acontecerá em seus atendimentos clínicos, seus textos mais efetivos serão baseados, não apenas em estruturas técnicas, mas, principalmente, no desenvolvimento de sua capacidade de observar, sensivelmente, tudo ao seu redor”. Percebo, hoje, que aquela “profecia” se confirma incessantemente. A observação sensível e cuidadosa norteia minhas abordagens clínicas mais produtivas, bem como essas mesmas características de observação esclarecem, em minha mente, os temas dos textos sobre os quais ouso escrever. Dessa mesma maneira, aconteceu na terça-feira, 07, na qual tive a oportunidade ímpar de observar gente, em seu estado mais essencial, em “carne e alma viva”, como também, gente quase morta em vida, buscando fôlego para renascer. Essa chance que vivi, aparentemente, tinha contornos de mais do mesmo do que presencio clinicamente. Entretanto, era mesmo só aparência. Porque, quando se trata de momentos envoltos por fé genuína, o Homem se escancara por completo, seja em suas chagas ou em seus sorrisos. Desse modo, naquela data, ao estar presente para a tarde de autógrafos do livro “Philia” (embora, pessoalmente, eu não viva a fé católica), de autoria do padre Marcelo Rossi, testemunhei a dimensão inexata, mas, por isso mesmo, surpreendente e fascinante, do ser humano.

                Em seu programa radiofônico diário, padre Marcelo já havia confessado que, antes de experimenta-la, considerava a depressão, equivocadamente, apenas “frescura” de quem referia sofrer com a mesma. Sua opinião mudou a partir de seu próprio sofrimento depressivo e pelos relatos de milhares de pessoas dos quais teve conhecimento. Milhares que, segundo suas convicções de fé, se ajoelham diante de um Rei Celestial, suplicando cura, coragem, iluminação e força. Milhares que, incontáveis vezes, renovam suas esperanças a partir, apenas, de um forte e terno abraço ou um mero olá. Tive, durante o evento em questão, uma pequena amostra desses milhares, na qual seus membros buscavam compreensão, direção e companhia. Em suas mais ingênuas simplicidades e confusões, transformavam esquizofrenia em argumento técnico para a definição da expressão “pessoa especial”. Expunham suas fragilidades sinceras, pelas quais, possivelmente, se arrependiam e, até, continuariam a se arrepender, mesmo que as repetissem segundos após dizerem amém. Olhavam para o espaço reservado ao tão aguardado e querido padre escritor, com a expectativa humilde de quando se deseja atenção e proteção. Nesses instantes notei que os olhos, fossem eles testemunhas de muitos ou poucos anos de vida, ficavam marejados e brilhantes, tal como percebi terem ficado meus próprios olhos ao visualizarem essas cenas. Estar ali e não se emocionar com tanta expressão de humanidade era, cardíaca e mentalmente, improvável. As horas de filas se transformavam em momentos de bênçãos, durante canções, efusivamente, entoadas, as quais resgatavam fraternidade generalizada, lamentavelmente, perdida nas ruas de pressa, pressão e exaustão. Lá, naqueles momentos de redescoberta de si mesmos e de outros pelos outros, tantos alguéns ressurgiram de suas quedas emocionais e desvanecimento pessoal. Quanto a mim, ali vivi intensamente a mais pura e densa Psicologia Humana.

                A palavra Philia, independentemente da fé que se professe e, até, da inexistência de fé, significa, originalmente em grego, Amor. Isso é um fato. Bem como, foi, é e sempre será um fato, quando realmente se desejar, a possibilidade de criação de ambientes nos quais diferenças são razões para diálogos e aprendizado de convivência, pautados na convergência de boa vontade e bem querer. Padres, Médiuns, Pastores, Ministros, simples pessoas... Quando considerados exemplos, por suas atitudes e palavras (necessariamente nessa ordem), merecem ser pensados e, dentro de cada perspectiva individual, compartilhados em profunda Philia.       

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