Além de nomes e nomenclaturas

Além de nomes e nomenclaturas

Entre as várias mudanças que estão ocorrendo uma delas se apresenta como essencial, embora seja tratada como uma questão menor. A forma correta de denominar cada pessoa, cada grupo social, cada doença e cada etnia. Pode parecer algo sem importância, mas a forma como cada indivíduo é chamado, classificado e até rotulado na sociedade tem importância e interfere na sua aceitação social. Uma das situações mais corriqueiras tem a ver com os apelidos. Tem gente que não se importa e depois de alguns anos até assume a nova identidade, mas para outros as denominações jocosas, destacando alguma anormalidade física provocam constrangimento, mal-estar e abalam a autoestima. Já os apelidos maldosos revelam o preconceito e a discriminação.

 

Não dá para esquecer que a sonoridade do nome faz parte da personalidade de cada um. Tanto isso é verdade que muita gente omite parte ou a totalidade do nome que consta na certidão de nascimento. No universo corporativo, não soam bem as reduções simplórias dos nomes, traduzidas em monossílabos enigmáticos. Como saber de fato quem são a “Ma”, a “Ju“, o “Gui”, a “Helô” ou a  “Ca”? São necessários poucos segundos para dar o primeiro nome completo de uma pessoa, o que possibilita a identificação correta e o reconhecimento social decorrente da credibilidade de cada um. Os diminutivos típicos da intimidade têm os espaços e os horários próprios que contrastam com o tratamento infantilizado em ambiente profissional. Não fica bem, “Jô venha participar da reunião”. 

 

Diariamente, jornalistas e profissionais de comunicação exercitam esse cuidado e preocupação com a repercussão que as palavras podem causar nas vidas alheias e nos grupos sociais. Ás vezes, as palavras machucam mais que uma agressão física. Não se trata de uma tarefa fácil escolher expressões adequadas para contextualizar situações complexas. O vocabulário não deixa nada escondido e revela uma visão de mundo que por uma questão de justiça, solidariedade e tratamento cordial deve respeitar as diferenças existentes entre pessoas e grupos. Ainda mais se levando em conta que não existe um ser humano igual ao outro. Na essência e até mesmo na aparência, todos nós somos diferentes. Recentemente, passou a ser usada a denominação “neurodivergente” para se referir a pessoas que possuem um comportamento diferente do padrão convencional.  

 

Uma das situações mais notórias da evolução na forma de tratamento envolve as pessoas com deficiência. Em um passado recente, esse grupo social, representativo da sociedade brasileira, foi rotulado de deficiente físico, denominação que sugeria uma incapacidade para desenvolver atividades sociais, esportivas e relacionadas ao trabalho. Felizmente, a sociedade avançou em suas concepções e o entendimento mudou.  A definição evoluiu para pessoas com necessidades especiais, em seguida para pessoas portadoras de deficiência. Mais recentemente chegou-se a denominação atualmente usada de pessoas com deficiência. Segundo estimativas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2022, o Brasil tem 18,6 milhões de pessoas com deficiência, considerando a população com idade igual ou superior a dois anos. Isso representa cerca de 9% da população. Portanto, se trata de um grupo representativo que deve ser tratado com respeito e consideração.  

 

Nos últimos anos, houve um movimento de pessoas mudando de nome para que a sua denominação ficasse compatível com a sua opção sexual.  Todas essas mudanças convergem para um mesmo ponto. Grupos sociais e as pessoas individualmente têm direito a serem reconhecidas e chamadas por denominações que representem bem a sua forma de ser e a sua essência. Este é um direito individual reconhecido recentemente até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As expressões racistas, misóginas, xenófabas e homofóbicas são distorções e crimes graves justamente por ignorar esse direito elementar. Não custa nada a ninguém fazer um pequeno esforço para chamar e reconhecer o seu semelhante por uma forma que não o diminua, ofenda ou simplifique a forma como será reconhecido no mundo.  Os ventos da diversidade estão soprando forte em todas as direções. As mudanças se tornam mais um campo de batalha para descrever com palavras os contornos de um novo mundo que todo dia ganha forma de um jeito novo e desafiador.

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