Cuidado com a palavra

Murilo Pinheiro

09 Fev 2024 14:26

Pode não parecer, mas as palavras têm muita força e provocam dor e sofrimento. Talvez seja essa uma das principais mudanças da sociedade contemporânea. Grupos minoritários tentam conquistar espaços, reconhecimento e o respeito aos seus direitos. A midiatização da vida com a gravação de vídeos e áudios deu visibilidade a situações que antes ficavam camufladas. O destinatário da mensagem tem o direito de não gostar da forma como está sendo tratado. 


Essa nova realidade envolveu o técnico do Corinthians, Mano Menezes, que pisou duas vezes na bola em uma semana. Na primeira, o jogador Ranielle, que veio do Cuiabá, deu um chute de longe que passou distante do gol. Mano gritou com o jogador que “o Corinthians não é o Cuiabá”, numa referência pejorativa a um time de menor expressão do futebol brasileiro. Depois tentou se justificar dizendo que a menção à Cuiabá tinha a ver com a distância do chute. Os moradores de Cuiabá não engoliram a explicação. A segunda foi pior. Depois de uma jogada errada, na beira do campo, para todo mundo ver, Mano Menezes chamou o centroavante, Yuri Alberto, de “burro.” Depois na entrevista, o técnico se justificou dizendo que a linguagem do futebol “é assim mesmo” e teve até o respaldo de comentaristas, como Casagrande. 


Infelizmente, ao contrário do que alguns querem fazer crer, o futebol não tem salvo-conduto para o preconceito, a discriminação e cantos violentos e homofóbicos.  O mesmo vale para as torcidas, para as relações pessoais, profissionais e as manifestações em espaços públicos. Chamar alguém de burro é uma ofensa num campo de futebol, numa empresa ou numa praça. Como será que Mano Menezes reagiria se o jogador o chamasse, em frente às câmeras, de “idiota, imbecil, estúpido ou grosseiro”? Será que o sisudo Mano Menezes diria que o “futebol sempre foi desse jeito?” O mundo e o futebol estão mudando e a escolha das palavras precisa expressar essa transformação. Basta ter um pouco de empatia para tentar entender os sentimentos do outro.  

Foto: Daniel Augusto Jr. / Agência Corinthians