Escultores da palavra

Escultores da palavra

Em tempos de internet sem fronteiras, Instagram a mil, redes sociais a todo o vapor e o WhatsApp sem dar trégua, a boa leitura de um livro, de uma revista ou de um jornal impresso ainda reclamam seu tempo e seu espaço. Nem tudo está perdido e a boa literatura esculpida pelos escritores originais resiste, apesar das notícias assustadoras de que a Inteligência Artificial chegou decidida a substituir os humanos até mesmo em áreas que exigem criatividade, como a produção de textos, as ilustrações e as peças publicitárias.  


Dia desses recebi do próprio autor, uma crítica literária publicada no jornal de circulação nacional Valor que destacava o vigor literário do escritor Menalton Braff, que aos 85 anos, lançou mais um romance. Morando na vizinha e pacata Serrana, Menalton publicou “Os olhos de meu pai”, obra que coloca em discussão a herança, a paternidade e a tradição. Por aqui, depois de publicar o “Fale Bem”, junto com a filha Ludmila, o escritor Luiz Puntel sentiu um vazio no peito, aquela angústia por não ter algo para escrever. Remexendo nos arquivos da memória, teve um estalo, uma ideia, para publicar mais um livro. Mais um livro porque assim como Mentalton Braff, Puntel, 74 anos, é um veterano nessa árdua e solitária trilha da produção literária como a coleção de romances juvenis da série Vaga Lume, da Editora Ática e a coleção Curumim para a Editora Atual. Menalton Braff já publicou cerca de 30 livros na carreira e possui incontáveis participações em antologias literárias. Em 2000, ganhou o prêmio Jabuti com a “À Sombra do Cipreste”. Neste último romance, põe em xeque a relação paterna e o machismo presente na sociedade rural até mesmo na hora de dividir a herança entre filho e filhas.   


O último livro de Puntel, que acabou de sair do forno, se chama “Cama de girassóis” lançado pela editora Ipêamarelo. Com uma narrativa ágil e envolvente, mostra as adversidades enfrentadas por um marido prestimoso, decidido a dar um enterro digno a sua mulher Maria. Ela foi uma prostituta que acolheu, deu casa e comida a dois velhos inválidos. Em capítulos curtos e com uma linguagem rebuscada, capaz de obrigar o leitor a olhar o dicionário por diversas vezes, o autor traz à tona a moral vigente nas cidades pequenas, que se expressa no falatório sem fim do povo, no agente funerário que oferece ao companheiro da defunta o caixão mais barato, na recusa do padre de fazer as honras fúnebres a que todo morto tem direito e até mesmo na proibição de que a prostituta seja enterrada no cemitério da cidade administrado pela igreja.  


No prefácio in memorium, em homenagem a falecida professora Fátima Chaguri, com quem compartilhou a ideia, Puntel descreve essa desafiadora “carpintaria literária”, que como toda a expressão da arte precisa ser correspondida. Quem escreve precisa dar luz a uma ideia, conceber personagens, delimitar espaços, cronometrar o tempo, sem deixar que se desprenda o fio que une os pedaços de uma história. Em uma das tantas entrevistas que concedeu Menalton Braff disse que o prazer do escritor está no parto, de ver surgir o que não existia: uma personagem interessante, uma combinação de palavras algo que revele  alguma originalidade. Para que se mantenha viva, a literatura, os livros e os autores precisam ser encontrados por olhos críticos que sejam capazes de ver um pouco além daquilo que está exposto no bombardeio das telas sem filtro. 

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