O legado da estabilidade

O legado da estabilidade

Os brasileiros estão sofrendo as consequências de um problema que há tempos não enfrentavam: a volta da inflação. Os mais jovens não passaram por esse calvário. Só quem era adolescente ou adulto em 1989, no último ano do governo José Sarney, viu a inflação alcançar os estratosféricos 1.765%. Em 1993, no governo Itamar Franco, o recorde do aumento de preços foi batido com 2.477% em doze meses. Vencida pelo Plano Real há quase três décadas, a disparada dos preços representada pelo dragão se junta a adversidades antigas e estruturais como a desigualdade econômica, o desemprego e a economia informal que hoje abriga cerca de 40 milhões de pessoas. O tempo passa e a grande pauta econômica do país é o Auxílio Brasil que vai substituir a Bolsa Família, originário da Bolsa Escola. Nenhum governo resiste à tentação de rebatizar os programas sociais que pertencem ao Estado brasileiro e não são extensões dos governantes transitórios.

A escalada da inflação pode ser sentida pela população na hora de abastecer o carro, passar por uma praça de pedágio, encher o carrinho no supermercado ou comprar um botijão de gás (R$ 120,00). Nas alturas dos R$ 100,00, a picanha nossa de cada dia virou objeto de desejo de consumo. Fica a dica, pode ser um bom presente de Natal. A inflação acumulada em 12 meses medida pelo principal indicador do país, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 10,67%. A variação de 1,25% em outubro é a maior desde 2002. O país deve fechar o ano com quase 9% de inflação. Vem aí uma enxurrada de aumentos decorrentes da indexação da economia. A alta do índice traz como consequência imediata reajustes dos alimentos, aluguéis, transportes, mensalidades escolares e contratos comerciais. Puxada pelo aumento do combustível, a espiral de aumentos entra numa roda sem fim. No final das contas, quem mais perde são os assalariados. Pelas dificuldades que as empresas enfrentam, nem todas as categorias profissionais conseguem a reposição integral das perdas. Aposentados e trabalhadores que recebem o salário mínimo são os que mais sentem os impactos dessa corrosão salarial mensal.

O que tira o sono de empresários, trabalhadores e agentes econômicos é o descontrole da inflação, pressionada pela alta do dólar, pela crise da energia elétrica, pelo aumento das matérias-primas e pela instabilidade política. Para os economistas, entre todas essas variáveis a que mais pesa é alta do dólar que desvaloriza o Real demasiadamente. Fica tudo muito caro para o consumidor. Com o desequilíbrio fiscal, o país gasta mais do que arrecada e acumula sucessivos déficits. O descontrole dos preços traz consigo a volta de uma cultura inflacionária em que a remarcação constante de preços era uma prática quase que automática dos agentes econômicos. Além de corroer o poder de compra, a inflação atinge em cheio os segmentos de menor poder aquisitivo que não dispõem de meios para proteger a renda. Essas pessoas acabam se endividando, contraindo empréstimos ou deixando de consumir, mais um efeito colateral ruim para o desempenho da economia.  Essa situação coloca em risco o legado duramente conquistado pelo Plano Real durante muitos anos. Depois de uma pandemia em que houve demissões e o fechamento de empresas, o país precisa retomar as atividades econômicas e não pode retroceder com a volta da disparada dos preços, filas para comprar alimentos e dificuldades de abastecimento. A estabilidade econômica é o ponto de partida para o desenvolvimento econômico. Não se pode abrir mão dessa conquista. 

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