O pacto de convivência

O pacto de convivência

Até pouco tempo, o brasileiro não tinha muito interesse pela Justiça e a Constituição. Poucas pessoas, por exemplo, sabiam os nomes dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal (STF) ou conheciam as divisões do Poder Judiciário e suas instâncias.  Essa realidade mudou bastante nos últimos anos com os avanços da internet e a disseminação das redes sociais. Quando se pesquisa os problemas do país, depois da corrupção e das mazelas políticas históricas, a morosidade do Judiciário aparece como causa maior da impunidade. No entanto, o Judiciário não pode arcar sozinho com essa responsabilidade. A fragilidade do pacto social faz com que o Brasil seja hoje uma sociedade judicializada com 100 milhões de processos tramitando na Justiça.  

 


Apesar dos avanços recentes da legislação para proteger as minorias, pouco se discute no país a respeito do ordenamento jurídico que estabelece as leis e as regras de convivência entre as pessoas.  O que determina o pacto social se chama Constituição, o acordo maior que normatiza a vida das pessoas e as atribuições do Estado. Nos 200 anos de independência brasileira, exceto em momentos mais conturbados da história, a palavra Constituição soa como letra morta. O cidadão mais humilde, de menor poder aquisitivo, pouco sabe sobre a importância da Carta Magna e dos direitos que ela pode assegurar. Na outra ponta, as camadas sociais de maior poder aquisitivo recorrem à advocacia para fazer valer os seus direitos. Em dois séculos de independência e 133 anos de República, o Brasil teve sete constituições, algumas de curta duração, outras mais longevas. Quando se analisa as sete constituições brasileiras junto com o contexto da época, logo se conclui que elas estão vinculadas a momentos de crise e à necessidade de estabelecer um novo pacto social que melhor reflita a realidade vigente. 

 


A última constituição brasileira, de 1988, chamada de cidadã, marca a passagem do fim da ditadura militar (1964 a 1985) e a necessidade de varrer o entulho autoritário, assegurar as garantias democráticas e os direitos dos cidadãos. Trinta e quatro anos já se passaram desde a promulgação e uma grande parte dos brasileiros ainda desconhece o seu teor e não consegue ver como o texto constitucional pode interferir positivamente na sua vida. Eis o desafio das instituições. Corriqueiramente se ouve que no Brasil não faltam normas para assegurar direitos, mas que o país se ressente do efetivo cumprimento das leis. Não se trata de advogar a necessidade de elaboração de uma nova Constituição, embora hoje as mudanças estejam ocorrendo numa velocidade bem maior do que décadas atrás.

 

Com tantas mudanças de comportamento, as novas formas de organização do trabalho e a diversidade de relacionamentos sociais, pode ser que num curto período de tempo a sociedade brasileira sinta a necessidade de rever o ordenamento jurídico para atualizar o pacto da convivência social, expresso nas normas da Constituição. Infelizmente, no momento atual, esse debate começou às avessas com as ameaças de desrespeito à legislação e às normais constitucionais. Em vez do possível aprimoramento de uma nova, discute-se o descumprimento da que já existe. Na prática, algumas normas constitucionais já foram ignoradas e distorcidas para atender ao interesse de grupos políticos. As eleições também não contribuem para uma discussão mais profunda sobre as bases de construção de uma sociedade com liberdade, justiça econômica e respeito ao direito das minorias. Com esfacelamento programático dos partidos políticos e a avalanche de candidatos da propaganda eleitoral, a eleição virou um concurso personalizado de nomes. Até o mais bem informado analista político tem dificuldades para analisar biografias, programas partidários e alianças, envolvendo os 32 partidos que disputam esta eleição. Sem essa discussão prévia do país que se pretende construir e sem a consistência programática, as eleições viram um cheque em branco para os eleitos nas diversas esferas de poder. A questão de fundo permanece sem discussão. 

Compartilhar: