A sedução tecnológica

A sedução tecnológica

Nem faz tanto tempo assim, mas pelo grau de dependência cada vez maior da humanidade, parece que há séculos a internet controla o mundo. No próximo dia 25 de março, a poderosa rede completará apenas 28 anos. Como nossos ancestrais sobreviveram sem o WhatsApp, o GPS, os e-mails e as pesquisas no Google? Em 1989, um físico britânico, Timothy John Berners, cientista da computação e professor do renomado Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), concebeu uma rede que deveria ser livre, fonte de informação e de entretenimento para bilhões de pessoas.

O criador do World Wide Web, o conhecido “www”, considerado pai da internet, arquitetou conexões sem fronteiras que revolucionaram o mundo do trabalho e democratizaram o acesso as informações. Ao mesmo tempo, esse advento criou as bases para a formação de uma nova sociedade. Neste momento, em que esse processo completa quase três décadas, surgem inúmeros questionamentos sobre a nova ordem que está em fase de construção. 

O tempo em que a rede está no ar foi suficiente para marcar a geração que cresceu tendo a internet como parceira, mas a web também influenciou fortemente a vida de quem nasceu antes. Aproveitando o aniversário, seu pai, Tim Berners, publicou uma carta em que faz um alerta sobre os perigos que rondam a grande conexão de computadores. Basicamente, o cientista apontou três grandes problemas que podem ferir de morte a liberdade que caracterizou a concepção da rede: o bombardeio de falsas notícias, a falta de controle sobre dados pessoais e a apresentação  disfarçada dos conteúdos publicitários. 

Pela tendência atual, à medida que os mecanismos sofisticados avançam, a teia de computadores vai ficando com a cara de algumas redes e ferramentas preponderantes, casos do Facebook e do Google, plataformas que já concentram volumes incalculáveis de informação. Espécie de filhote gigante da internet, o Facebook, com 1,5 bilhão de usuários ativos, cerca de 20% da população do planeta, desenvolveu vida própria e possui autossuficiência na divulgação de acontecimentos, venda de produtos e acesso aos dados pessoais dos usuários. Sem pedir licença, o Facebook sabe até quais são as nossas mais caras lembranças. 

O segundo problema apontado pelo pai da internet tem a ver justamente com o conflito camuflado entre a privacidade e o direito público. No Brasil e no mundo já se tornaram frequentes a espionagem, o “hackeamento”, a invasão e a comercialização de dados pessoais. Órgãos de segurança e de inteligência governamental pressionam constantemente o Judiciário para que as empresas da internet sejam obrigadas a violar segredos dos usuários em nome da segurança nacional ou de uma investigação policial. O Brasil não tem uma legislação clara sobre a proteção de dados pessoais e os gigantes da internet não querem compartilhar esse segredo com ninguém. 

O terceiro alerta proferido por Timothy Berners se refere à nociva disseminação das “fake news”, as intermináveis notícias falsas que encontram terreno fértil entre a população desinformada. Recentemente, no começo dos saques das contas inativas do FGTS, circulou um boato. A Rede Globo teria algum interesse escuso na liberação dos recursos e por isso estaria divulgando os saques com tanta ênfase. Diante da avalanche de falsidades, em vídeos e em textos na internet, a própria Rede Globo, alvo frequente das balelas, criou seções editoriais para dar destaque à veracidade das informações. No Fantástico, tem o detetive virtual e o jornal o Globo lançou o “É Isto Mesmo?” São tantas inverdades circulando que veículos de comunicação do mundo inteiro estão se lançando numa cruzada para combater a maledicência e resgatar a credibilidade do jornalismo. 

A advertência do cientista não deixou de fora a séria questão da propaganda. Se antes o consumidor, podia escolher o momento em que iria pesquisar algum item, agora, os produtos desfilam, freneticamente, nas páginas das suas redes sociais. Muita gente questionava os dados da abrangência dos comerciais dos veículos tradicionais, agora só as empresas do mundo tecnológico sabem ao certo qual a inserção das veiculações.

Talvez, quando tenha concebido a rede, junto com outros visionários, Timothy Berners tenha pensado que a rede se tornaria um território mais democrático e igualitário. Não deve ter imaginado que o capital se acumula até no mundo virtual. Quem concentra informação detém o poder, pode manipular informações privilegiadas para ganhar dinheiro e aumentar o controle sobre as pessoas. Hoje, o cidadão que acessa a rede, a qualquer hora e em qualquer lugar, fica com a sensação de um ser poderoso, mas que, na verdade, pode estar sendo seduzido pela sofisticação tecnológica dos enigmáticos e sigilosos gigantes da internet. 

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