Bullying às avessas

Bullying às avessas

 Por Myrna E. C. Coelho Matos – Psicóloga Clínica e coordenadora do IACEP-Ribeirão Preto

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Tornou-se muito comum assistirmos aos noticiários televisivos e nos depararmos com notícias sobre o “bullying” que, a cada dia, mostra-se mais presente em nossa sociedade, assumindo dimensões cada vez mais graves e assustadoras. Mas para avançarmos nessa discussão, é necessário que compreendamos um pouco mais sobre o tema. Primeiramente, temos que evitar o uso de alguns https://www.psicologaribeiraopreto.com/ slogans sobre o comportamento das pessoas, que rotulam toda tristeza como depressão, qualquer agitação como hiperatividade e situações pontuais nas quais um colega faz piada de outro colega, como práticas de bullying. É necessário, antes de tudo, que possamos compreender detalhes do contexto no qual o comportamento observado se situa para que, assim, possamos fazer uma avaliação mais segura.

No caso do bullying, o caráter intencional e repetitivo dessa prática é que o faz se diferenciar de brincadeiras pontuais entre colegas e que envolvem algum tipo de intimidação ou constrangimento. De forma mais detalhada, o bullying é um termo em inglês utilizado para descrever comportamentos com diversos níveis de violência, que vão desde chateações inoportunas ou hostis, até fatos agressivos, sob forma verbal ou não, intencionais e repetidas, sem motivação aparente, provocado por uma ou mais pessoas em relação a outras, causando dor, angústia, exclusão, humilhação e discriminação. Essa definição de bullying remete-se a um entendimento de violência que vai além da violência física, expressando-se sob a forma de violência verbal e psicológica. E é em relação a esta última que eu gostaria de aprofundar a nossa discussão.
A violência psicológica pode ser entendida como um comportamento específico de um indivíduo agressor ou de um grupo de agressores que gera na pessoa agredida um sentimento de rejeição, indiferença, desrespeito e discriminação. Diferentemente das agressões físicas, que deixam marcas visíveis na pessoa agredida, a violência psicológica nem sempre é percebida pelos pais, deixando marcas graves e invisíveis, podendo comprometer a formação, a  autoestima e a saúde emocional da pessoa agredida. 

Todos nós deveríamos ser tratados como iguais, mesmo que uns sejam mais calados, outros mais comunicativos, mais magros, mais gordos, mais calmos, pobres, ricos etc. A interação e o convívio com essas diferenças são fundamentais para a formação do indivíduo e do cidadão, possibilitando que o mesmo aprenda a lidar, a respeitar e a aprender com a diversidade. No entanto, nem todas as pessoas conseguem lidar com todas essas diferenças e o resultado é a “formação de panelinhas” e a substituição de um ambiente sadio por outro contaminado por agressões, violência e exclusão. É nesse contexto de crise nos valores sociais, que o papel da família torna-se cada vez mais indispensável, principalmente em relação à formação de indivíduos e grupos que possam iluminar essa realidade atual, tão escura e violenta. Essa responsabilidade faz com que nos perguntemos: Será que estamos ensinando nossos filhos a respeitarem as diferenças, a ter dignidade, compaixão e amor ao próximo? Será que valores éticos estão sendo cultivados na família? Numa  pesquisa, realizada pelo IBGE, foi feita a seguinte pergunta aos estudantes: "Nos últimos trinta dias, com que frequência algum dos seus colegas de escola te esculacharam, zoaram, mangaram, intimidaram ou caçoaram tanto que você ficou magoado, incomodado ou aborrecido?” Os resultados mostraram um dado alarmante: três em cada dez estudantes do Brasil, de alguma maneira, são vítimas de bullying.

Entretanto, nenhuma informação sobre o percentual de alunos que praticam o bullying foi apresentada, o que seria uma informação tão ou mais relevante do que os resultados divulgados, já que o bullying só acontece porque há pessoas que agridem. Assim, os pais precisam ficar atentos em relação à conduta de seus filhos, buscando saber como eles se relacionam com seus colegas na escola e se estão no papel de vítima ou de agressor, entendendo que, aquele que agride também é vítima da lógica cruel presente na nossa sociedade, que prega e legitima a diferenciação entre as pessoas e a valorização de coisas fúteis e inúteis. É fundamental que resgatemos a civilidade nas relações sociais para que possamos transformar angústia em alegria, exclusão em inclusão, humilhação em elogio, e discriminação em aceitação. Aí estaríamos praticando um bullying às avessas, que é o que a nossa sociedade está realmente precisando.

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