Aconteceu no Natal
Saiu dali e procurou uma casa na periferia da cidade. Uma velha viúva sentada à porta num banco tosco de madeira tentava descascar algumas batatas murchas, com seus olhos mais murchos do que as batatas. Ele notou que ela havia ferido os dedos trêmulos com a faca cheia de dentes. Cumprimentou a velha trêmula e entrou na sala. Não havia árvore de Natal, não havia presépio, não havia ninguém. Foi para a cozinha. A pia mostrava uma panela suja do angu feito na noite anterior para matar a fome. Resolveu ajudar: abriu a torneira para lavar a panela, mas o cano estava seco. Inquirida a velha, ela lhe disse que a água não aparecia há uma semana, mas ela acreditava que naquele dia ela haveria de chegar.
“Nos fins de semana ela sempre vem, disse-lhe”.
Ele abriu a geladeira: estava nua e quente como nascera. Olhou o fio de contato com a tomada da parede, estava desligado. Tomou a liberdade de ligá-lo, mas a geladeira permaneceu muda e queda, como se há muito não fosse ligada. Inquiriu de novo a velha trêmula e ela lhe disse que estava queimada, mas não tinha importância porque ela não a usava há muito tempo.
O visitante olhou para todos os cantos da casa; somente uma coisa ali imperava: a pobreza. Dirigiu-se à velha novamente e perguntou-lhe o que gostaria de ganhar naquele Natal para ter felicidade. Ela poderia lhe pedir o que quisesse, ele iria satisfazer-lhe o pedido, para lhe trazer felicidade.
A velhinha trêmula, nada lhe respondeu, apenas lhe sorriu com um sorriso doce, que nunca havia sorrido. Era um sorriso de felicidade e de libertação de todos os problemas que havia enfrentado. Olhou para o céu e para si, olhou para o Natal e deixou-se desfalecer sobre o seu banco tosco de madeira...