Apagadas pelo tempo

Apagadas pelo tempo

Ela nasceu à beira de um barranco de uma velha estrada que passava por uma grande mata. A estrada era estreita e sinuosa porque desviava de grandes troncos de árvores, algumas pedras e pequenos rios.  Ela era filha de uma gigantesca árvore, a maior da floresta, onde cavaleiros, carroceiros e alguns carros de bois faziam suas paradas para dar fôlego aos animais e comerem seus lanches. Com a proteção da mãe e pelo adubo formado pelas folhas apodrecidas, cresceu rapidamente.  Teve uma infância e juventude linda!  Como eram belos os cantos dos pássaros que ali pousavam. Como era acolhedora a copa da mãe para aqueles que nela faziam os ninhos! Como era bom ver animais rastejantes que sempre paravam junto ao tronco para respirar o ar puro da floresta!  Como era lindo ver os desenhos que os raios do sol, que atravessavam as folhas da mãe, projetavam no solo! Como se sentia feliz ao ver a sombra da mãe caminhar sobre ela durante a tarde para lhe proteger as folhas tenras! Como era reconfortador  ouvir o canto dos carros de bois, que depois de algum tempo sob a sombra, saiam acordando os bichos dorminhocos no meio da mata!

  O tempo passou, a floresta estava cada vez mais linda quando certo dia vieram algumas máquinas e começaram a derrubar árvores menores para retirar as sinuosidades da velha estrada. As máquinas passaram por perto  delas,  mas não mexeram com elas! Respeito pela minha mãe pensou a jovem árvore que começava a desabrochar as primeiras flores! O tronco gigantesco da mãe havia assustado os condutores das máquinas! Retificaram e alargaram a estrada o quanto puderam. Com a nova estrada novos veículos começaram a aparecer: caminhões, camionetas, motocicletas e novos tratores. Apesar da novidade a vida continuava com a mata em franco crescimento!  Certo dia, porém, grandes caminhões trouxeram máquinas maiores e mais pesadas das que haviam vindo para modernizar a estrada! A mata tremeu com o rufar dos motores das grandes máquinas que acabavam de descer dos caminhões.  Com fúria assassina começaram a derrubar a floresta. Cadáveres de árvores grandes e pequenas foram sendo esparramadas pela imensidão da terra onde a floresta vivera durante séculos e séculos! Ninhos de passarinhos foram sendo destroçados, assim como tocas de pequenos e grandes animais que corriam desesperados ou morriam sob as garras de aço inoxidável das máquinas de esteiras! A mata transformou-se em um grande cemitério de vegetais e animais. Até os seres inanimados como as grandes pedras foram arrastadas para buracos e para regatos que foram soterrados pelo excesso de árvores, pedras e terra  que foram jogados sobre eles! Bebedouros seculares dos animais viraram deserto.  Alguns dias depois da terrível devastação, homens com tochas de fogo embebidas com óleo usado das máquinas, incendiaram os cadáveres das árvores que jaziam a céu aberto! Nem Dante conseguiria descrever tal inferno! A terra que antes tinha o verde da mata, com vida intensa,  agora estava cinza e apagada  sem nenhum sinal de vida!  

  A jovem árvore que crescera junto à mãe chorava junto com o sereno da madrugada a perda das irmãs da floresta das quais tanto gostava. Olhando para o passado perguntava: onde estão os cavaleiros, os carroceiros, os carros de boi? Onde estão os passarinhos, os animais que vinham descansar na sombra de minha mãe?  Ela vivia sonhando com o passado quando um dia, logo pela manhã descem de uma camioneta dois homens mal-encarados com duas grandes motosserras! Eles avançaram contra elas e em poucos minutos as abateram e as cortaram em pedaços! Logo a seguir uma grande máquina chegou e arrancou-lhes o tronco e as raízes!  Cavaram um buraco junto ao barranco onde viviam e as enterraram! A terra foi aplanada. Tratores com grandes lâminas e discos foram lavrando a terra!  Caminhões carregados de cana foram chegando! A mata tornou-se um grande canavial! A grande floresta, a árvore gigante e a  filha jovem e florida vão desaparecendo da lembrança das pessoas! Elas vão sendo apagadas pelo tempo! Quem resiste à fúria do homem enlouquecido pela vontade de ter dinheiro?

 

  

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