Certo dia

Certo dia

 

    Todos os dias o menino corria pela trilha que passava no meio da mata em direção ao rio  no fundo da fazenda onde morava. Por ali passou correndo durante a infância. A trilha tortuosa se desviava das grandes pedras e das  árvores centenárias  que formavam a mata.  O clima era ameno, quase frio, o ar tinha o perfume das folhas e das flores  e a mata mantinha a sua orquestra permanente composta por pássaros dos mais variados tipos. Canários da terra, sabiás, sanhaços, azulões, tucanos, gralhas, bem-te-vis, saracuras, seriemas e tantos outros pássaros que se divertiam entre os raios de sol que penetravam nos galhos do arvoredo.  O farfalhar das folhas das árvores tocadas pelo vento compunha o fundo musical da orquestra! Quantas vezes  parou no meio do caminho para saborear uma das frutas silvestres, oferecidas pela mata fechada! Quantas emoções havia  ao tomar conhecimento das descobertas que não paravam no seu dia a dia!  Certo dia viu um tamanduá deliciando-se com  os cupins de um cupinzeiro que acabara de abrir com suas potentes unhas! Teve dó dos cupins, mas o tamanduá era tão lindo com aquele rabo em forma de bandeira, que foi perdoado! Ele já sabia, orientado pelos pais que na natureza cada ser vivente precisa do outro para poder viver! Um dia viu um tucano cabisbaixo  ao pé de um tronco. Foi até ele, pegou-o e verificou que ele estava com o bico machucado e não podia beliscar as frutas. Levou-o para casa, tratou dele durante um mês e soltou-o novamente. O tucano ficou tão seu amigo que todos os dias vinha cantar na mangueira junto à casa onde morava. Outro dia viu uma seriema com a perna quebrada! Pegou-a, colocou uma tala de taboca na perna dela, até que se recuperasse. Recuperada, soltou-a novamente na mata. Certa vez, viu dois ovinhos fora do ninho de um casal de sabiás.       Colocou-os no ninho e acompanhou o crescimento dos filhotes até que um dia saíram voando pela mata!

   O rio fazia uma enseada  forrada de pedras. A água cristalina passava sobre as pedras e brilhava aos raios do sol do meio dia! Ao lado do rio grandes pedras se exibiam como se fossem leitos para desocupados tomarem sol. O menino costumava ficar sentado nas pedras ribeirinhas, ora pescando, ora apenas observando o passear dos peixes que vinham e iam num bailado interminável. Quantas vezes ele ali ficou vivendo a natureza! Certo dia, cochilou, escorregou e caiu no rio! Água para ele não era novidade, saiu nadando, aproveitou para dar um susto nos lambaris e nos carás e voltou nadando para a pedra onde se encontrava.  Tirou a calça curta e a camisa de mangas, estendeu-as em uma pedra vizinha e voltou a deitar-se sobre a pedra onde estava. Em poucos minutos estava vestindo a roupa seca.

   O tempo passou, a infância passou e o menino teve de se  mudar para a cidade grande para estudar. Mudou e acabou ficando por lá, sem nunca esquecer as aventuras que vivera na infância!  As histórias de sua infância fizeram parte da criação dos filhos!

   Certo dia resolveu voltar, com a família, para ver a casa onde havia morado, as grandes mangueiras do quintal, a mata fechada cuja trilha levava ao rio onde havia tantos peixes e as camas de pedras que  enfeitavam  as suas bordas e  onde ele passara tantas e tantas tardes! Queria rever os canários da terra, os sabiás, os sanhaços, os azulões, as gralhas, os tucanos, os bem-te-vis, as saracuras, as seriemas! Queria ver os grandes troncos das árvores! Queria ver o tamanduá-bandeira! Queria ver o moleque, que ainda carregava na mente, correr pela trilha da mata e chegar ao rio!  Hoje estava homem feito, com um bom emprego, com carro e até um GPS que o levaria ao exato local onde vivera a  sua maravilhosa  infância. Pegou a família e partiu!        

   O GPS o levou exatamente no meio de um grande canavial! Onde estavam a casa, as grandes mangueiras, a grande mata, os sabiás, os bem-te-vis, as seriemas e tantas outras aves que encantaram a sua infância? Onde estava o amigo tucano?  Onde estava o tamanduá que tanto o encantou? Onde estava  a trilha que cortava a mata?

   Correu para a borda do rio com a mulher e os filhos! Eles já conheciam a sua historia! Quantas vezes ele a contara e quantas vezes havia prometido levá-los ao lugar fantástico de sua infância!

   Chegaram ao rio! Onde estavam as pedras que enfeitavam a borda do rio? Olhando para o rio  viu que elas estavam jogadas dentro dele! Onde estavam os peixes?  Percebeu um cheiro de mata mato no ambiente! Certamente os peixes haviam morrido com o veneno usado para matar o mato do canavial e das margens do rio.  

    Ficou   desapontado! Abraçou a mulher e os filhos! Lágrimas derramaram-lhe pela face! O mundo onde vivera e a recordações que guardava no peito desapareceram em poucos minutos!

    Com certeza, o homem é um grande destruidor de sonhos!

 

 

 

            

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