A cirurgia
Menino filho de família de médias posses, era feliz! Gostava de brincar com a meninada da rua naquela época em que a rua era das pessoas, principalmente das crianças e não dos carros. Atropelamento naquela época acontecia cada dez anos quando uma carroça de burro xucro disparava pela rua abaixo e se encontrava com uma mulher, um velho ou uma criança que corria atrás da bola! A felicidade parecia morar perto das famílias e das pessoas e essas pessoas ainda conversavam nas esquinas quando iam a pé à padaria ou ao armazém a poucos metros de casa. Carro somente os coronéis do café possuíam, mas eram poucos! Pedrinho era o menino feliz do qual vamos tratar. Sempre saudável, certo dia acordou com uma dor imensa na barriga que lhe prendiam os púns e não deixava andar. A musculatura da barriga estava enrijecida e dificultava a deambulação.
A família era cliente do doutor Murilo há muitos anos. Doutor Murilo era o médico da família, quando ele nasceu e entre os familiares ele era o que mais havia sido tratado pelo prestimoso médico. Aos três anos tivera sarampo, aos cinco varicela e agora estava com sete anos de idade. Pela frequência de tratamentos e pela convivência tornou-se amigo do médico. Dr. Murilo o chamava de filho.
Dr. Murilo chegou com a maleta na mão. Pedrinho estava deitado no sofá da sala e desta vez não corre para abraçar o seu amigo médico.
- O que aconteceu com o meu filhote?
- Dor na barriga! Minha barriga está dura! Tenho medo de respirar porque a barriga doi!
O médico pensou em apendicite e foi examiná-lo!
- Não ponha a mão na minha barriga, doutor!
Tenho de examiná-lo. À primeira palpação e o primeiro grito!
-Sinal de McBurney positivo*, disse o médico para o pai e a mãe de Pedrinho, que estavam ao lado. Temos qe levá-lo para o Hospital e operá-lo imediatamente! Ele está acometido por apendicite aguda! É caso de urgência! Vamos levá-lo para o hospital
- Não quero ser operado. gritou Pedrinho, chorando!
- Sossega, leão, disse-lhe o médico, ao ver as lágrimas escorrerem-lhe pela face.
Fez-lhe um carinho ao enxugar as lágrimas com as costas da mão. O problema é grave, mas tem solução, fique tranquilo. Vou retirar um pedacinho de tripa que está inflamado dentro da sua barriga. Você está com apendicite aguda.
Pedrinho quis chorar de verdade, gritar, mas a confiança no médico era a sua grande arma e tinha certeza de que o médico somente queria o seu bem!
Foi para o hospital, fez exames de sangue. e, a seguir, encaminhado ao Centro Cirúrgico. As lágrimas haviam secado na face e estavam no seu coração, mas a confiança no médico continuava firme. Viu e sentiu quando lhe puncionaram uma veia no dorso da mão esquerda.Sufocou o grito nas cordas vocais! O médico acariciou-lhe a face e deu-lhe um beijo na testa.
- Você vai ficar bom! Embora não o quisesse, algumas lágrimas escorreram pelo canto dos olhos de Pedrinho.
O anestésico na veia fechou as portas do medo, levou Pedrinho ao reino dos sonhos e ele dormiu serenamente como se estivesse em sua cama.
Depois... Bem... Depois, acordou no quarto iluminado. Já era noite e ele não havia visto o dia passar. Acordou porque alguém lhe palpava o pulso, com mão firme e sorriso largo na face.
-Acordou? Tudo bem com você? Aquela tripa podre já foi para o lixo, você vai ficar bom.
Era o doutor Murilo que lhe falava com aquele olhar doce e meigo.
Dois dias depois doutor Murilo mandou-o para casa. Ele levantou-se da cama, apalpou a barriga, respirou fundo e viu que o ar já podia penetrar nos pulmões, sem medo. Sentiu-se feliz.
À porta do hospital, olhou para as palmeiras que balançavam as folhas ao passar do vento, como se estivessem saudando-o pelo sucesso. Um casal bem-te-vis enamorados fazia uma algazarra terrível, à porta do hospital, demonstrando-lhe que a vida continuava. Ele apalpou a barriga novamente. A dor era mínima, o dia apenas começara e ele, ele tinha a vida inteira pela frente.
Sinal de McBurney positivo é a dor que aparece no abdome quando se comprime o abdome entre o umbigo e a crista ilíaca anterior superior.