Natal 2017

Natal 2017

 

O Natal entrou pela porta aberta como se fosse amigo de todos. A todos cumprimentou como se os conhecesse de longa data. Foi para a cozinha, cumprimentou a cozinheira, temperou o peru, retirou o bacalhau do Porto da água, trocou a água, voltou a colocá-lo  na bacia, olhou  para as frutas secas e para as verdes, pôs um bago de uvas na boca, jogou as sementes e a casca no lixinho da pia. Abriu a geladeira: estava repleta de guloseimas, de bebidas e de outras comidas que precisavam ficar para não se deteriorem. Fechou a geladeira, saiu da cozinha após se despedir da cozinheira, passou pela sala, cumprimentou e se despediu novamente. Tudo estava em perfeita ordem para que aquela família passasse uma noite feliz.

     Saiu dali e procurou uma casa na periferia da cidade. Uma velha viúva sentada à porta num banco tosco de madeira tentava descascar algumas batatas murchas, com seus olhos mais murchos do que as batatas, ferindo seus dedos trêmulos com a faca cheia de dentes. Cumprimentou a velha trêmula e entrou na sala.  Não havia ninguém. Foi para a cozinha. A pia mostrava uma panela suja do angu feito na noite anterior para matar a fome. Resolveu ajudar: abriu a torneira para lavar a panela, mas o cano estava seco. Inquirida a velha, ela lhe disse que a água não aparecia há uma semana, mas ela acreditava que naquele dia ela haveria de chegar. Nos fins de semana ela sempre vinha. Ele abriu a geladeira: estava nua e quente como nascera. Olhou o fio de contato com a tomada da parede, estava desligado. Tomou a liberdade de ligá-lo, mas a geladeira permaneceu muda e queda, como se há muito não fosse ligada. Inquiriu de novo a velha trêmula e ela lhe disse que estava queimada, mas não tinha importância porque ela não a usava há muito tempo. O visitante olhou para todos os cantos da casa; somente uma coisa ali imperava: a pobreza. Dirigiu-se à velha novamente e perguntou-lhe o que gostaria de ganhar naquele Natal para ter felicidade. Ela poderia lhe pedir o que quisesse, ele iria trabalhar intensamente para  satisfazer-lhe o pedido, para lhe trazer  felicidade.  A velhinha trêmula, nada lhe respondeu, apenas lhe sorriu com um sorriso que nunca havia sorrido. Era um sorriso de felicidade e de libertação.  Olhou para o céu e para si, olhou para o Natal e deixou-se  desfalecer sobre o seu banco tosco de madeira... 

Compartilhar: