A vendedora de cosméticos

A vendedora de cosméticos

          Esta crônica é uma homenagem às dedicadas vendedoras ambulantes, de cosméticos

 

 

  Sônia Rocha nascera Sebastiana da Silva, mas ao se mudar para a cidade grande e fazer um curso de vendedora ambulante de cosméticos, trocou o nome e o visual..

       - Sebastiana é um nome muito comum! Para uma vendedora de cosméticos, preciso de um nome mais avançado! Sônia Rocha é o ideal.

      Tornou-se uma bela mulher.  Os cosméticos, o salão de beleza, os sapatos tipo Luís XV, as meias de seda e a ginástica três vezes por semana a transformaram.     

      Entre os cosméticos que vendia, tinha preferência pelos perfumes masculinos! Poupança abundante, cintura fina, sorriso largo fartamente ensaiado na frente do espelho, batom francês com sabor de framboesa,  óculos escuros, luvas de seda, jeito de andar muito próximo do andar das modelos de desfiles  de moda, faziam dela uma mulher singular. Como eu disse, entre os cosméticos que vendia, os perfumes masculinos tinham a sua preferência

      Com o passar do tempo, Sebastiana, isto é, Sônia Rocha foi envelhecendo de corpo, mas não de espírito. Uma pequena ruga aqui, uma fisgada ali, algumas varizes que tentavam aparecer nas panturrilhas,  pele flácida aqui e ali,  mostravam que o corpo estava perdendo a corrida com o tempo.   A empregada Belinha, que lhe fazia todos os gostos, e  a acompanhava há muitos anos, certo dia a encontrou olhando para o espelho a uma distância bem maior do que a necessária e, com as  mãos, tentava apertar as nádegas.

    - O que aconteceu, dona Sônia?

    - Nada de importante, mas não estou gostando de me olhar, de  perto no espelho, como sempre fiz. Além disso, amanheci com fisgada na região lombar! Não há de ser nada! Vou  arrumar-me e sair, tenho muitos clientes para visitar!

    Sônia Rocha percebia que o tempo   passava  rápido, embora fingisse não lhe dar atenção.  Não adiantava, entretanto olhar de longe o espelho!  Com o passar dos dias começou a perceber que voltava aos tempos de Sebastiana quando morava na pequena cidade e tinha de lavar grandes trouxas de roupa! O cansaço após a jornada de trabalho, apesar de este ser  mais leve, parecia o mesmo! Quando eventualmente  aproximava-se  do espelho via as rugas que se aprofundavam na face, a barbela que ensaiava aparecer no pescoço e os quadris que iam vagarosamente ficando arredondados. Apesar de tudo isto  aparecer paulatinamente, Sônia fingia prestar atenção, apenas na pequena ruga da testa! O espírito altaneiro que não admitia fracassos, procurava ignorar  os problemas que  apareciam.  Procurava incutir na mente, apenas o corpo escultural, o sorriso largo, os dentes de marfim e o jeito garboso de andar de  anos atrás!

    A vida continuou enganosa  como vinha acontecendo até que um dia, ao tentar  levantar-se da cama, pela manhã, sentiu a coluna travada! Com esforço suplementar tentou sentar-se na cama, mas a contratura muscular da coluna vertebral a havia amarrado ao colchão! Os nós estavam apertados!  Tentou mais uma vez e teve a impressão de que os nós a apertaram mais! Com a ajuda da empregada Belinha  que já trabalhara como faxineira em um hospital da cidade e que vira as enfermeiras trabalharem com casos parecidos, conseguiu sair da cama e ficar de pé! O espelho pregado à porta do armário do quarto mostrou-lhe, não a Sônia Rocha, mas a Sebastiana no fim de um dia de trabalho penoso, exatamente o que ela não queria ver! Cabelos desgrenhados, olhos fundos, rosto deformado quase mendicante da vida do dia anterior!

   Belinha, acostumada a ver a  lida das enfermeiras com os pacientes do hospital com  crises de coluna, logo fez o diagnóstico: ataque agudo de coluna lombar! Provável hérnia de disco!

   Correu para o seu banheiro, pegou  dois comprimidos na bolsa, um copo de água e pediu que Sônia  tomasse os dois comprimidos de uma vez.

   - Costumo ter crises como esta! Por isso carrego os comprimidos em minha bolsa! Dentro de meia hora a senhora estará se sentindo bem!  Acho, porém, que a senhora deverá procurar o seu médico ortopedista! É provável que a senhora tenha desgaste na coluna e hérnia de disco! O médico do Postinho disse que eu tenho hérnia de disco!

   Sebastiana tomou café com leite, comeu uma fatia de pão com manteiga, prescritos por Belinha e voltou para a cama sob a  recomendação de Belinha.  

    Depois de duas horas os nós da coluna de Sebastiana já haviam se desfeito e ela, agora com jeito de Sônia Rocha começou a se aprontar. Tentou os sapatos de saltos altos, mas a hiperlordose provocada pelos saltos fizeram-na optar pelas sandálias de Belinha! Há muitos anos não comprava as rasteirinhas de antigamente, como costumava falar.

  - Que humilhação! Pensava Sonia Rocha ao entrar no carro junto de Belinha, com as sandálias dela!

  Chegou ao consultório médico.

  - Doutor, amanheci travada! Se não fosse a Belinha me dar dois compridos, eu estaria na cama até agora!

   Belinha, que estava ao lado sentiu a aura do orgulho e da satisfação abrirem-lhe um sorriso largo!

   - Provável hérnia de disco, doutor?

   - Sim! É muito provável que a senhora tenha acertado  na mosca!

   Belinha voltou a sorrir! Nunca ouvira um elogio tão grande!

   - Qual foi o remédio que a senhora deu para a sua patroa?

   - O nome do remédio? Sei não, doutor, mas, como o senhor disse, eu acertei na mosca! Dona Sônia estava travadinha, travadinha!

   - Sim, a senhora acertou na mosca! Merece um diploma de médico provisório!

   - Que é isso, doutor? Eu sou uma simples empregada doméstica!

   - Muito bem, vamos examinar a nossa paciente!

   Dr. Gervásio examinou Sônia e verificou que embora a dor houvesse diminuído, ela, ainda apresentava  contratura da musculatura para vertebral e o sinal de Lasegue estava positivo aos 30º.

   - A senhora deve estar com degeneração dos discos lombares e é até possível que a senhora tenha a hérnia de disco que referimos!

   - Degeneração? Eu?

   - Sim! A senhora já passou dos cinquenta anos! É muito provável!

   - Não é possível, doutor, eu nunca senti nada de tão terrível! Eu ando com sapatos de saltos altos, o dia todo, subo e desço escadas a todo o momento! Eu danço, eu mexo com o corpo!

   - Talvez essa seja a causa dessa degeneração! Excesso de saltos, de andanças e de escadas!

    - Acho que o senhor está enganado! Se fosse tão grave assim, eu não teria ficado tão boa com apenas dois comprimidos!

    - Precisamos fazer Radiografias de sua coluna, talvez Ressonância Nuclear Magnética!

    - Já estou me sentindo muito bem, doutor! Eu gostaria que o senhor fizesse a receita do remédio que a Belinha me deu e eu ficarei agradecida!

     - Não quer fazer os exames?

     - Estarei muito ocupada nos próximos dias, por favor faça apenas  a receita! Eu preciso devolvê-los para a Belinha! Se o senhor fizer isso eu lhe trarei o melhor perfume francês que tenho no meu estoque.

     - Não se trata disso, nem vou aceitar o seu melhor perfume francês.  Sou alérgico a perfumes! Para não perdermos tempo, qual é o nome do remédio?

   Sônia olhou para Belinha! Belinha olhou para o doutor! O doutor voltou a olhar para Sônia.

      - Como ficamos? Disse Dr. Gervásio. Pelo jeito, nem a senhora, nem a colega Belinha sabe o nome do remédio! Vou receitar um que deve ser muito parecido com o que a senhora tomou.

       - Vou lhe trazer o perfume!

       - Não faça isso, dê-o para o seu marido!

       - Não tenho marido, doutor, o terceiro e último já foi embora! O senhor não tem um colega simpático como o senhor para me apresentar e que não seja alérgico ao meu perfume?

 

 

                                                    

      

     

    

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