Covid-19: Políticas para a resolução de problemas econômicos

Covid-19: Políticas para a resolução de problemas econômicos

Desde o início da pandemia de Covid-19 em março deste ano, um dos principais assuntos que têm ocupado as manchetes de diversos noticiários são as medidas de combate às crises sanitária e econômica. Esta última, como apontam estudos publicados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), possui impactos socioeconômicos tão profundos que não pode ser comparada a qualquer outro evento de proporções planetárias, tais como a Grande Depressão de 1929 e a Crise Financeira de 2007-2008.  

Devido à gravidade da crise econômica atual, tem sido um desafio para diversos governos e formuladores de políticas econômicas o desenvolvimento de planos de combate aos seus efeitos em curto, médio e longo prazos. Entre as principais políticas adotadas por países como o Brasil, estão programas de crédito “facilitado” à pequenas e médias empresas e de auxílio à renda e aos desempregados, entre os outros. No entanto, antes de analisarmos estes pontos, devemos levar nossa atenção aos principais problemas causados pela crise, pois somente assim seremos capazes de julgar as ações tomadas por nossos governantes e representantes.

De acordo com um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do Ministério da Economia, intitulado “Medidas de Enfrentamento  dos Efeitos Econômicos da Pandemia de Covid-19: Panorama Internacional e Análise dos Casos dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha”, a crise sanitária afeta a economia em diversos campos. No primeiro deles encontram-se os fatores de oferta, divididos em: oferta de trabalho pela redução de pessoal contratado; produtividade do trabalho pela perda de habilidades decorrente dos efeitos da doença, do isolamento social e da desorganização do processo de trabalho das empresas e cadeias produtivas pela interrupção do fluxo de insumos.[1]

Já no segundo campo encontram-se os fatores de demanda: diminuição do consumo das famílias afetado pela queda da renda por redução da jornada de trabalho e pelo desemprego; investimento privado e comércio exterior afetado em decorrência da diminuição da demanda internacional; e adoção de práticas não cooperativistas e protecionistas por diversos países.[1]

No último campo, estão os fatores financeiros: volatilidade cambial sobre o comércio internacional e queda na liquidez das empresas devido a escassez de capital de giro, sobretudo para o pagamento de salários e de fornecedores.[1]

Além dos aspectos anteriormente discutidos, devemos voltar nossos olhos aos setores que foram mais afetados, entre eles estão: turismo e viagens, comércio varejista, atividades de entretenimento e aquelas que exigem “certa” proximidade, como cabeleireiros e fisioterapias. Dados da OCDE apontam que esses serviços correspondem a algo entre 30% e 40% do PIB de diversos países. [1]

Para atenuar os efeitos da crise econômica, em um artigo de autoria de especialistas do FMI, publicado no Valor Econômico e intitulado “Políticas econômicas na guerra contra a COVID-19”, a política econômica dos governos deveria ter seu foco centrado em três objetivos:

- Garantir o funcionamento de setores essenciais. Os recursos destinados ao diagnóstico e ao tratamento do coronavírus devem ser reforçados, assim como aqueles com foco nos serviços de saúde, na produção e distribuição de alimentos e no fornecimento de serviços de utilidade pública.

- Prover recursos suficientes aos indivíduos atingidos pela crise. Famílias que perderam parte ou totalmente suas rendas necessitam de auxílio a ser provido pelos governos. Descreve-se também a necessidade de ampliação do seguro desemprego, assim como a necessidade de que trabalhadores autônomos e sem emprego tenham acesso aos programas de transferência monetária.

- Impedir perturbações econômicas excessivas. Os governos devem prestar apoio às empresas privadas, tanto na forma de subsídios salariais quanto como programas de empréstimos em grande escala, pois isso auxilia, mesmo que em menor grau, na manutenção dos níveis de emprego e da renda.[2]

 Além disso, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda que as medidas que buscam amenizar os efeitos da Covid-19  no mundo do trabalho devem estar centralizadas em dois objetivos: medidas de proteção à saúde e apoio à manutenção da oferta e da demanda. A primeira consiste na implementação de medidas de proteção nos locais de trabalho. A segunda define um esforço coordenado entre governos e empresas para promover a economia e a mão de obra.[3]

Agora que já listamos os problemas e o que alguns organismos internacionais sugerem como formas de combate, podemos analisar uma experiência internacional na implementação das mesmas antes de focarmos nossa atenção no caso brasileiro.

 

Políticas adotadas pelos EUA

 

- “Family First Coronavirus Response Act”. Esse programa consiste na destinação de recursos para a alimentação escolar, de mulheres e  crianças; a sustentação de renda e emprego; a cobertura de testes para detecção da COVID-19 e seu tratamento para comunidades indígenas, veteranos de guerra e crianças. 

O governo americano destinou aproximadamente U$S 190 bilhões para as medidas de sustentação da renda e do emprego, algumas delas são:

- “Emergency Paid Sticks Act.” Este programa visa garantir a renda e o emprego de trabalhadores que tiveram suas atividades interrompidas pela pandemia e que não conseguem desempenhá-las no modo “home office”. Quando os indivíduos estiverem em situação de quarentena por ordem de autoridade pública ou por apresentarem sintomas da doença, o auxílio é de até U$S 5.110 no período do benefício. Se caso o isolamento ocorrer para prover cuidados a indivíduos pertencentes ao grupo de risco ou por cuidado de crianças, cuja creche ou escola estiver fechada devido à pandemia, o benefício poderá ser de até U$S 2.000 no período de sua duração. Além disso, é válido ressaltar que o programa tem vigência de 1° de abril até 31 de dezembro de 2020.

- “Emergency Unemployment Insurance Stability”. Esta medida consiste na transferência de U$S 1 bilhão aos estados para aumentar os recursos destinados ao auxílio dos desempregados.

- Lei “Coronavirus Aid, Relief, and Economic Security Act (Cares Act)”. Esta medida destinou U$S 2,3 trilhões, aproximadamente 9% de seu PIB, para o combate aos efeitos socioeconômicos. Este é considerado o maior pacote de estímulos da história estadunidense. O pacote destinado ao combate da crise de 2008, o “American Recovery and Reinvestment Act”, foi de U$S 830 bilhões. Esse valor é destinado principalmente ao apoio de pequenas e médias empresas, grandes corporações e ao aumento de garantias de renda e de emprego às famílias através de transferências diretas e de benefícios tributários. O governo americano utilizou 14% dos U$S 2,3 trilhões em medidas de saúde pública e de seguridade social.

- Programa “Paycheck Protection Program” do “Cares Act” destinou U$S 349 milhões em empréstimos para pequenas e médias empresas para auxiliar as mesmas com o pagamento da folha salarial, das obrigações hipotecárias, pagamento de serviços como água, energia elétrica, entre outros e para o refinanciamento de outros empréstimos. Além disso, aproximadamente U$S 195 milhões são destinados à linhas de créditos administradas pelo “Federal Reserve (FED)”, a autoridade monetária americana.

- Programa de suma importância desenvolvido pelo governo americano foi o “ Pandemic Unemployment Assistence (PUA)”. Este consiste na ampliação do serviço de seguro-desemprego com a inclusão de U$S 294 milhões em recursos para auxiliar desempregados com diagnóstico de COVID-19 ou para qualquer outra situação decorrente da pandemia. O recurso é distribuído na forma de pagamentos semanais de U$S 600 aos outros montantes estabelecidos. O programa tem duração até 31 de dezembro deste ano. [1]

 

Políticas adotadas pelo BRASIL

 

- Auxílio Emergencial ou “Coronavaucher”. Essa medida, anunciada em abril com vigência inicial de três meses que se transformaram em cinco, consiste no pagamento de uma renda básica emergencial no valor de R$ 600 destinada a trabalhadores informais e autônomos, e de R$ 1200 para famílias chefiadas por mulheres. O objetivo desta é auxiliar na manutenção da renda das famílias. Em setembro, após o fim dos 5 meses, o auxílio foi prorrogado até dezembro deste ano, mas com uma redução para R$ 300  - ou para R$ 600 para mulheres chefes de família. [4]

- Ampliação do Bolsa Família. Inclusão de 1 milhão de beneficiários, o que ocasionou a necessidade de aumento de recursos em R$ 3,1 bilhões. [5]

- Redução de jornada de trabalho e de salários. Esta consiste em novas regras que tratam da redução de jornadas, salários e suspensão do contrato de trabalho durante o período de calamidade pública como forma de evitar demissões em massa e fornecer estabilidade ao emprego.[4]

- Liberação de R$ 16 bilhões em recursos para estados e municípios, visando auxiliá-los nas medidas de combate à COVID-19. [4]

- Programa Emergencial de Suporte a Empregos (PESE) que destinou R$ 40 bilhões à pequenas e médias empresas para o pagamento de folha salarial. Além desse, foi anunciado o volume de R$ 5 bilhões à linha de financiamento do BNDES Crédito Pequenas Empresas destinado às mesmas para auxiliar na manutenção do capital de giro. [6]

- O governo brasileiro destinou o valor de R$ 5,1 bilhões para a área da saúde, setor que combate diretamente a Covid-19 e é responsável por todas a medidas sanitárias do país.[4] Entre estas, temos: a ampliação do número de leitos no sistema público, a construção de hospitais de campanha e o fornecimento de materiais de testagem.

 

Um breve comentário das medidas

 

O governo abriu o cadastramento para o auxílio emergencial em abril, mas muita gente teve o benefício negado indevidamente por causa de diversas falhas na análise de dados feita pela empresa pública Dataprev.

Assim, milhões de brasileiros tiveram seu cadastro aprovado com semanas ou meses de atraso e milhares só conseguiram depois da abertura de processo judicial. Filas gigantescas se formaram em frente às agências da Caixa Econômica Federal, contrariando orientações relativas ao isolamento social para conter o avanço do contágio por coronavírus.

Em relação ao PESE e à linha de financiamento do BNDES Crédito Pequenas Empresas, pode se dizer que o objetivo principal auxiliar as empresas com o objetivo de evitar demissões em massa. No entanto, um fato muito importante a ser lembrado é o de que muitos empresários queixaram-se que as garantias exigidas, como as de crédito, pelos bancos para o fornecimento dos valores citados são impossíveis de serem atingidas. Isso dificultou a continuidade de várias empresas e culminou no encerramento das atividades de muitas delas, gerando desemprego.

Por fim, a realidade vivida pela população brasileira mostra que o investimento emergencial realizado e as medidas tomadas não foram capazes de salvar o setor econômico do colapso. O país tristemente acumula mais de 157 mil mortes, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.

Dados divulgados em 30 de setembro deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), obtidos através da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua Mensal (PNAD Contínua), mostram que o desemprego no país subiu para 13,8 % em julho, atingindo mais de 13,1 milhões de pessoas. O país teve uma nova queda recorde no número de ocupados, enfatizada pela pandemia, com perda de 12 milhões de postos de trabalho desde o início do ano.

A OIT revela que a região da América do Sul teve a maior perda de horas de trabalho no mundo no segundo trimestre deste ano, com uma queda de 20,6 %. A taxa brasileira aponta para uma das maiores do mundo. Em informe publicado, a instituição considera que o impacto da pandemia no mundo do trabalho foi mais severo do que o estimado anteriormente. [8]

Para Guy Ryder, diretor-geral da OIT, a situação em nosso continente é fonte de grandes preocupações, tanto por conta da pandemia como pela situação econômica. De acordo com Ryder: “ é a situação mais severa do planeta hoje no mundo, é uma realidade triste”. Lamenta que “não há como escolher” entre salvar a economia e salvar vidas, enfatizando que “se não houver saúde, teremos um resultado muito ruim na economia”. [8]

A fala do diretor deixa claro que medidas para conter a COVID-19 são pré-condições, e não obstáculos para o resultado no mercado de trabalho. Os gestores brasileiros, no entanto, em muitas ocasiões opinam na contramão, rejeitando a adoção de isolamento social, ao insistir que isto deixaria milhões de pessoas sem trabalho e, consequentemente, sem renda.

Entre as medidas que os gestores públicos necessitam para administrar a crise atual está o esforço para encontrar o equilíbrio nas intervenções sanitárias, socioeconômicas e políticas.

A recuperação será lenta e dolorosa, com uma perspectiva pessimista que pressupõe uma segunda onda de pandemia, retardando a recuperação. Sabemos que não basta investir trilhões de dólares em estímulos para a saída da crise se as decisões tomadas agora não produzem resultados sustentáveis no mercado de trabalho e na renda nos próximos anos.

Texto escrito por Victoria Brondi Fernandes, estudante de Economia Empresarial e Controladoria na FEA-RP/USP.

Referências

[1] AMITRANO, Claudio; MAGALHÃES, Luís Carlos G. de; SILVA, Mauro Santos. Medidas de Enfrentamento  dos Efeitos Econômicos da Pandemia de COVID-19: Panorama Internacional e Análise dos Casos dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha. Disponível em:<https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9978/1/td_2559.pdf>

[2] Políticas econômicas na guerra contra a COVID-19. Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/blog-do-fmi/post/2020/04/politicas-economicas-na-guerra-contra-a-covid-19.ghtml>

 [3] Quais políticas serão mais eficazes para mitigar efeitos da COVID-19 no mundo do trabalho?. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/quais-politicas-serao-mais-eficazes-para-mitigar-efeitos-da-covid-19-no-mundo-do-trabalho/>

[4] AUXÍLIO EMERGENCIAL. Disponível em:<https://economia.uol.com.br/auxilio-emergencial>

[5]Pandemia: quais as ações econômicas do governo brasileiro: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/16/Pandemia-quais-as-a%C3%A7%C3%B5es-econ%C3%B4micas-do-governo-brasileiro>

[6] Ajuda do governo a pequena empresa é 7 vezes maior nos EUA do que no Brasil. Disponível em :https://economia.uol.com.br/colunas/2020/04/20/auxilio-pequenas-empresas-comparacao-brasil-x-estados-unidos.htm

[7]Brasil caminha para maior crise econômica de sua história. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/19/brasil-caminha-para-maior-crise-economica-de-sua-historia.htm>

[8] Resposta lenta ao vírus no Brasil aprofundou crise econômica e social. Disponível em:<https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/06/30/resposta-lenta-ao-virus-no-brasil-aprofundou-crise-economica-e-social.htm>

Imagem: Pixabay

Compartilhar: