Desigualdade Social e Políticas de Distribuição de Renda

Desigualdade Social e Políticas de Distribuição de Renda

Atualmente, muito se debate sobre políticas de distribuição de renda, programas de assistências sociais e o abismo social sobre o qual essas ações públicas travam luta incessante: a desigualdade social. Entretanto, a disposição estatal para combater tal problemática é variada em diferentes pontos do tempo e do espaço. No ocidente, a gênese da ação do Estado para com os mais desafortunados remete, efetivamente, à consolidação do capitalismo a partir da Revolução Industrial Inglesa, no século XVIII. O advento de um novo e abrupto sistema, no qual as disparidades sociais foram se intensificando, foi de natureza traumática, em especial para os trabalhadores industriais, cujas más condições de trabalho consumaram uma situação de miséria generalizada.

Em vista de tal atmosfera social e humanitária, revoltas de trabalhadores e intelectuais forçaram os governos europeus a tomarem atitudes que apaziguassem as mazelas econômicas e providenciassem melhores condições de vida. Desse modo, o século XIX foi marcado pelo desenvolvimento das ciências sociais e humanas que, por um lado, tinham como objetivo compreender a complexidade que era o sistema capitalista e, por outro, fornecer meios para superar a imparcialidade de uma sociedade de mercadológica.

No entanto, a esmagadora massa de pessoas mais pobres assistiu de mãos atadas ao triunfo da ideologia do progresso industrial e do liberalismo econômico, que propagavam o indiscutível estabelecimento de uma política de não intervenção do Estado na economia, deixando, assim, os indivíduos à sabor das leis de oferta e procura. O cenário transformou-se na medida em que alguns fenômenos perturbaram profundamente a ordem que estava em vigência durante a primeira metade do século XX, a saber: As Guerras Mundiais e a Grande Depressão Americana nos anos 1930. Esses eventos dispuseram de grande poder destrutivo e provocaram assombrosas convulsões sociais, políticas e econômicas na civilização ocidental.

Consequentemente, Estados viram a necessidade de participar ativamente do processo de reestruturação econômica e social clamado pela sociedade do pós-guerra, o que deu origem ao moderno “ Estado de Bem-Estar Social “. Este modelo assistencialista configura-se a partir de uma lógica de assegurar melhores condições socioeconômicas, humanitárias e ambientais as quais, por meio de intervenções do Estado na economia que promovam uma distribuição mais equitativa da riqueza, seriam responsáveis por um significativo marco dos princípios democráticos. Desta maneira, benefícios como seguro-desemprego, auxílios financeiros, subsídios e outros amparos à comunidade forneceriam uma perspectiva otimista para as classes menos favorecidas.

No Brasil, todavia, a história tomou um rumo distinto e o país levou décadas para se organizar da mesma forma. Nas vésperas da Proclamação da República, a sociedade já visualizava as consequências de 300 anos de escravidão, cujos reflexos sobre a desigualdade social resvalem até hoje, tanto em termos de oportunidades quanto na distribuição geográfica das cidades. Pessoas que, sem assistência do Estado, foram obrigadas a se abrigarem em cortiços e, futuramente, favelas, constituíam uma significativa e pobre parcela da população. Além disso, durante o século XX, o povo brasileiro assistiu a duas ditaduras: à Varguista, nas décadas de 1930-40; e à ditadura Militar, nas décadas de 1960-80. Durante a primeira, projetos de caráter populista abraçaram ideais desenvolvimentistas e favoreceram a elite industrial que nascia, enquanto distribuíam poucas políticas públicas e mantinham o status quo no país. Logo antes da segunda ditadura, as atenções dadas ao povo pelas propostas do governo João Goulart (1961-1964) foram abruptamente interrompidas pela irrupção do Golpe de 64 e um posterior regime ditatorial.

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, houve uma política econômica que objetivava a concentração da riqueza nas classes de melhores condições econômicas, provocando, assim, maior investimento advindo de economias exteriores e uma elevação da produtividade geral. Esse programa colapsou assustadoramente e foi responsável por um aumento substancial na desigualdade social interna, evidenciada pelo patamar que o país atingiu no Índice de Gini (acima de 0,6), índice responsável por medir a desigualdade de renda numa escala de 0 a 1. Desse modo, após décadas de hiperinflação, estagnação e aprofundamento de abismos sociais, a economia brasileira testemunhou a “ Década Perdida de 1980 “, que, em certo grau, impulsionou revoltas populares que alcançaram êxito com a redemocratização do país.

Em função de tais acontecimentos, as políticas assistencialistas e de distribuição de renda foram postergadas até a composição da Constituição Federal de 1988 - a “ Cidadã “, e até os projetos de ação social dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011). Durante o governo Lula, por exemplo, a fusão de benefícios como Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, o Auxílio Gás, Cartão Alimentação e o Auxílio aos Idosos, existentes no governo FHC, eclodiu em um dos programas sociais que mais elevaram a renda média da população em maior situação de carência, o Bolsa Família. Atualmente, os maiores amparos providos pelo Estado brasileiro referentes à transferência de renda são o Bolsa Família (BF), o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural, que contribuíram fortemente para um avanço na luta contra a desigualdade social. De acordo com Moreira, Renata Couto et al. Políticas públicas, distribuição de renda e pobreza no meio rural brasileiro no período de 1995 a 2005. Rev. Econ. Sociol. Rural, Brasília , v. 47, n. 4, p. 919-944, Dec. 2009

No governo Lula, o cenário econômico internacional favorável aos preços agrícolas e à diminuição das perdas salariais dos trabalhadores com os reajustes ocorridos no salário mínimo, somados à ampliação de programas de transferência de renda e de crédito subsidiado, como o Fome Zero e o Pronaf, vêm representando um fluxo de renda para as populações rurais mais pobres e podem ter efeito na redução dos índices de concentração de renda e de pobreza do País.

Apesar disso, a desigualdade social no Brasil ainda persiste como uma das mais altas do mundo, fato que ilustra a falta de políticas públicas de distribuição de renda efetivas. Ademais, no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2019, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o país é classificado com Coeficiente de Gini de 53,3, numa proporção na qual 100 representa total desigualdade e 0 simboliza sua ausência.

Atualmente, a crise econômica que decorre da pandemia do coronavírus enfatiza a carência que o Brasil tem de investimentos em programas sociais que amenizem a discrepância na pirâmide social, ao passo que expõe, com muita clareza, a sistêmica concentração de renda que o país vem experimentando no decorrer de sua história. Em entrevista cedida ao Nexo Jornal, a professora de Economia do Insper, Juliana Inhasz, afirma que no caso de trabalhadores formais que porventura ficarem desempregados, esses poderão acionar benefícios como o seguro-desemprego e o fundo de garantia. No entanto, trabalhadores do mercado informal, os quais, a grosso modo, são uma relevante parte da população brasileira, possuem condições mais precárias de trabalho e não desfrutam da segurança presente na formalização do ofício. Assim, ao ficarem desempregados ou ao serem impossibilitados de exercer suas atividades remuneradas devido à quarentena, enfrentarão uma interrupção desse fluxo de renda, sobretudo em regiões periféricas cujas circunstâncias socioeconômicas são, no mínimo, preocupantes.

O fragmento de realidade por trás disso tudo é que se manifesta uma alarmante conjuntura de desigualdade de renda que, por sua vez, reafirma-se ao longo da história do país. O Estado brasileiro, no tocante a políticas públicas de distribuição de renda, deve continuar sua luta para, somente então, ser capaz de prover aos cidadãos de condições socioeconômicas dignas de uma das maiores economias do mundo.

 

Texto escrito por Gabriel de Souza Bemfica, estudante de Ciências Econômicas na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto.

Referências

MOREIRA, Renata Couto et al . Políticas públicas, distribuição de renda e pobreza no meio rural brasileiro no período de 1995 a 2005. Rev. Econ. Sociol. Rural, Brasília, v. 47, n. 4, p. 919-944, Dec. 2009. Disponível em:< https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032009000400006 #nt02>. Acesso em 08 de set. de 2020.

Relatório do Desenvolvimento Humano 2019 (PNUD). Acesso em 08 de set. de 2020.

ROUBICEK, Marcelo. A desigualdade de renda no Brasil é alta. E vai piorar. Nexo Jornal. 11 de maio de 2020. Disponível em:https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/05/11/A-desigualdade-de-renda-no-Brasil-%C3%A9-alta.-E-vai-piorar. Acesso em 08 de set. de 2020.

 

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